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Mostrando postagens de 2013

Mãe, você é incompetente.

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Mãe, você é incompetente. Você não vai conseguir parir. Mas não se preocupe, médicos treinados e maternidades equipadas tirarão esse bebezinho da sua barriga num piscar de olhos, sem correr risco de você atrapalhar o parto ou o final de semana da equipe.  Você não vai conseguir amamentar. Mas não se preocupe, multinacionais da maior idoneidade produzem mamadeiras e fórmulas sensacionais, que alimentarão seu bebezinho até melhor que essas suas tetas.  Você não vai conseguir cuidar da família e da carreira. Mas não se preocupe. Uma extensa rede de babás, berçários e escolinhas darão café da manhã, almoço, banho, janta e colo, para que seu filho cresça feliz e você não perca o foco.  Você não vai ter tempo para fazer comida caseira. Mas não se preocupe, nas prateleiras das melhores casas do ramo você encontrará potinhos de comida pronta tão deliciosa, que seu bebê nem vai perceber que não foi preparada na sua cozinha.  Você não vai conseguir convencer seu filho

O lanche no lixo

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O lanche no lixo O menino começou a devolver a merenda sem comê-la. A mãe estranhou. Normalmente ele era morto de fome, mas o lanche, preparado com tanto carinho, estava voltando intacto. As desculpas habituais "eu tava sem fome", "quis jogar bola no recreio" não colaram. Uma observação atenta e ela percebeu que o adolescente estava com vergonha de levar lanche de casa. Abrir a mochila e enfrentar o olhar da galera diante de um sanduba no pão integral ou de uma fruta, para ele era a morte. Queria comer os salgados da cantina, como os demais colegas.  A mãe, do tipo natureba econômica, argumentou que o lanche que ela fazia era muito mais saudável que o da cantina e, além disso, ela e o marido suavam para pagar a escola particular. Lanche da cantinha era um luxo para os dias em que o despertador falhava e não dava tempo de preparar nada. Um empaca daqui, o outro dali e, passados seis meses de lanches devolvidos, a mãe desiste.  "Olha,

A namorada da filha do Sílvio.

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A namorada da filha do Sílvio. O garoto se aproxima da mãe com cara de aflito. "Mãe, segunda-feira vai ter balada teen no Puxadinho. O Thiago me convidou. Eu posso?" Pela expressão do garoto, a mãe percebe que ele queria muito ir e temia mais ainda que os pais não permitissem. "Balada teeen numa segunda-feira?" "Estamos nas férias, lembra? Deixa mãe, todos os meus amigos vão. E eu nem vou ter que pagar os 25 reais da entrada porque o bar é da namorada da tia do Thiago. Ela coloca nosso nome na lista." O menino continua explicando. Não ia ter álcool, maior de 18 anos não entra etc, etc, etc. Mas a mãe, a partir daí, só vê os lábios dele se movendo e não presta atenção em mais nada. Estava focada na descoberta da namorada, com A no final, da filha do Sílvio, amigo da família e avô do Thiago. Antes que transparecesse o que ia na mente, trata de encerrar o assunto com a resposta padrão para todas as situações saia justa da maternida

"Filho, se vira."

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"Filho, se vira."  O menino sai da escola bravo e muito agitado.  "Mãe, me tira dessa escola! Me tira dessa escola, já!"  "Nossa! O que aconteceu?!"  "Eu não aguento mais uns meninos da minha classe. O Fulano e o Beltrano ficam me zoando! Mãe, me põe noutra escola, hoje!"  O mãe fechou os olhos por alguns segundos. Sempre havia sido muito solidária com as queixas do menino, conhecia seus problemas de relacionamento, mas dessa vez não sabia como reagir. Respirou fundo, seguiu sua intuição e a fala veio como se estivesse tomada por outro ser.  "Filho, senta aqui e preste muita atenção no que vou dizer. Eu e seu pai já fizemos tudo o que podíamos pra te ajudar com os amigos da escola. Já conversamos com professora, com coordenadora, te trocamos de escola o ano passado, tornamos a falar com professoras e coordenadoras dessa nova escola, juntamos a turma pra um cinema, convidamos amigos pra brincar em casa. Voc

Meu filho, seu aluno. Seu filho, meu aluno.

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Meu filho, seu aluno. Seu filho, meu aluno. Minha irmã, educadora que atua na formação de professores, me conta que sua filhota, de 5 anos, lhe pediu que arrumasse emprego na escola onde ela estuda. Ela repete a justificativa da menina: "Assim, você vai ser minha professora. E eu vou ser sua aluna querida. Vou ser sua ajudante, vou pegar coisas pra você no armário, vou tirar xerox, apagar a lousa, sentar no seu colinho na hora da roda, passear no recreio de mãos dadas com você...nós vamos poder ficar juntinhas o tempo todo!" O lado educadora da minha mana explica: "Identifiquei nessa fala dela algo muito significativo...ela começa a perceber que há um espaço onde ela deixa de ser filha e passa a ser aluna. Olha que legal!" "Legal? Eu achei que ela estava era com saudade de você", comentei. Minha irmã sorri: "Numa análise superficial parece isso mesmo. Mas na verdade ela está é relutante em perder o status de filha. Filhos ocupam uma

Mercado Negro

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Mercado Negro O menino, de dez anos, sai da escola excitado. "Mãe, hoje vendi quatro cartelas de chiclete pros meus amigos! Comprei por um real na padoca e vendi por dois reais. Lucrei quatro reais, mãe!" "Ué, mas não tem uma regra que não pode vender coisas na sua escola?" "Mercado negro, mãe. Mercado negro!" Sem saber como reagir, a mãe decide dar corda para entender melhor a situação. "E ninguém dedurou você?" "Só vendo pros bico fechados. Os X9 da sala estão fora do negócio! Sabe a Fulana e o Sicrano, aqueles que contam tudo pra professora?..." "Sei..." "...então, combinamos de ninguém deixar eles saberem." "Caraca! To impressionada com essa história! Então, deu tudo certo?" "Deu...só tive problema com a Beltrana." A mãe logo pensa que filha de peixe, peixinho é. A mãe da menina, sua amiga, é uma grande ativista anticonsumismo infantil, batalhadora da alimentação

O pote do palavrão.

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O pote do palavrão.  A situação na casa estava preocupante. A criançada falava palavrão o tempo todo. E não havia pito ou conversa que desse jeito naquela tropinha boca suja.  Preocupada com o rumo das coisas, a mãe propôs um jogo.  Toda vez que alguém falasse um palavrão, seu nome seria anotado num papelzinho e depositado num pote estrategicamente colocado sobre a estante, ao alcance de todos.  Ao final de sete dias, os nomes seriam contados. E os participantes teriam que pagar um real para cada vez que seu nome fosse para o pote. Resumindo: haveria uma multa de um real por nome feio falado naquela semana. As crianças adoraram a proposta, mas questionaram para quem iria o dinheiro. Houve um debate e ficou combinado que a grana seria gasta em um passeio em família, a ser escolhido por quem menos pontuou, ou seja, o mais boca limpa da casa.  Foi uma semana engraçada. Em meio às atividades, de repente, alguém dizia: "Opa! Falou palavrão!" E corria

O papa no inferno e uma mãe no paraíso.

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O papa no inferno e uma mãe no paraíso. Aos pais que pediram a censura da Divina Comédia, Quando a professora dos nossos filhos solicitou a leitura da Divina Comédia, do Dante Alighieri, festejei. Não sei se pelo livro em si, um clássico, escrito por um dos maiores autores da humanidade, ou pelo fato de nossos filhos estudarem numa instituição pública e a professora não subestimá-los, indicando um livro que, definitivamente, é para os fortes.  Como muita coisa na vida, minha excitação não contagiou meu filho. O fato do livro ter sido escrito há mais de 700 anos foi motivo para desmotivá-lo. Sem nem virar a capa, achou-o velho e chato. E congelou nisso. Tentei de todas as formas encorajá-lo, mas tudo o que eu dizia parecia dar a ele ainda mais argumentos para rejeitar a leitura.  Na semana passada, como um milagre, tudo mudou. Meu filho voltou para casa empolgadíssimo, contando que vocês se reuniram com a professora para exigir que ela mudasse o livro. Ale

"Filho, escolha bem seu mau exemplo."

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"Filho, escolha bem seu mau exemplo." Mãe e filhos assistem à entrevista do Giba, do volei, para um programa esportivo.  O repórter pergunta sobre o episódio do dopping e Giba esclarece que consumiu cannabis de forma recreacional, foi pego, virou notícia e se arrepende muito, pois por ser um atleta famoso, era exemplo de conduta para muitos jovens.  O caçula entra na sala: "Pessoal, marcaram a luta revanche do Anderson Silva! Vai ser em dezembro!" O mais velho complementa: "Que armação!" A mãe questiona? "Armação? Como assim?" "A luta que o Anderson Silva perdeu foi armada. Ele perdeu de propósito para marcar a revanche. Ele vai ganhar muita grana com essa segunda luta."  Indignada, pra variar, a mãe argumenta: "Não acho que foi armada. Acho que ele perdeu e inventaram essa história de armação para não ficar ruim pro lado dele. O povo infelizmente acha melhor um trambiqueiro do que um perdedor.&q

"Pais omissos é o caralho!"

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  "Pais omissos é o caralho!" Disseram que não sabemos dar limite aos nossos filhos. E eles invadiram o Congresso, desmascararam a Fifa e mandaram a Globo tomar no cu. Disseram que os mimamos demais e damos tudo que eles pedem. E eles espernearam até conseguir abaixar a tarifa do ônibus, derrubar projetos de lei duvidosos e movimentar a reforma política. Disseram que não ensinamos o respeito à autoridade. E eles não abaixaram a cabeça nem com bala de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. Disseram que somos ausentes. E eles compareceram. Nos chamaram de desatentos. E eles atraíram a atenção do mundo inteiro. Falaram que era absurdo famílias desestruturadas, pais veados e mães sapatas criarem uma criança. E eles gritaram que absurda é intolerância e a homofobia. Nos acusaram de sermos frouxos por educarmos sem bater. E eles gritaram pela não violência. Previram que essa geração não teria futuro. E eles devolveram que

O gigante adormece na escola.

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O gigante adormece na escola.  A reportagem mostra o prédio da escola onde um aluno entrou armado. E depois o da delegacia para onde ele foi levado. Não consegui distinguir qual era um e qual era outro. São nestes prédios cinzentos e cheios de grades, com mais cara de presídio do que centros do saber, que educamos nossa garotada para a vida em sociedade. E o que acontece com as paredes não difere muito do que acontece em sala de aula. Se perguntam, querem tumultuar. Se questionam, estão desautorizando o professor. Se não querem ficar na sala, são vagabundos. Se não conseguem ver sentido na lição, são desinteressados. Se erram, são sem noção. Se não aprendem, tem déficit de atenção.  A indisciplina é tratada como violência.  A rebeldia como caso de polícia.  A criatividade como afronta. A opinião dos alunos sobre esta instituição, ironicamente criada para eles, pouco ou nada conta.  Quando querem falar, são ridicularizados, cala

Mães, pintos e maisena.

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Mães, pintos e maisena. Depois de uma tarde deliciosa com a molecada escorregando no sabão, o amigo do filho grita: "Tia, uma formiga picou o meu pinto. Tá ardendo muito! Eu quero ligar pra minha mãe!". Experiente na arte de receber coleguinhas, a dona da casa dá o fone pro garoto. Ligar imediatamente pra mãe é um direito garantido a todo pequeno visitante. A conversa foi breve e o menino desligou muito contrariado. "Eu quero que minha mãe venha aqui ver o meu pinto…" Ele reduz o tom de voz e evita olhá-la no olho: "…mas ela disse que é para eu mostrar para você antes." O menino ensaia abaixar o calção, mas não tem jeito. Aos 11 anos, não é mais pra qualquer mulher que se mostra o dito cujo. Ela tenta relaxá-lo: "Você está com vergonha? Não tem problema. Quando quiser que eu olhe, me avise." O menino liga novamente pra mãe. A conversa dessa vez é mais longa: "Mas mãe, eu ainda quero dormir aqui…mas você

O cisco e a trave.

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O cisco e a trave.  Um israelense me contou sobre a vida dos árabes em território judeu: "A gente está se lixando para o que eles fazem entre eles. Não estamos nem aí se eles se espancam, se matam, se acabam. Se é entre eles, nossa polícia não se mete. Não perdemos tempo com esse povo. Eles não são gente, são animais." Fiquei chocada com a sinceridade do relato. E, com um ufanismo que geralmente nos acomete quando nos afastamos da pátria amada, pensei que pelo menos nesse assunto o meu País estava acima do dele. Foi Cida, empregada doméstica crescida na periferia de Osasco, que me fez ver que, enquanto eu apontava para o cisco no olho do meu amigo israelense, deixei de ver a trave enterrada até o fundo do meu. Estávamos preparando o almoço quando a cozinha foi invadida pela campanha contundente da Rádio Bandeirantes pelo fim da maioridade penal. Vinha com a chancela do próprio governador de São Paulo, defendendo a mudança na lei. Cida para de lav

Arcangela

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Arcangela No parapeito do navio, Arcangela se debruça e chora. Chora por sua bela Itália, enorme no peito e cada vez mais pequenina no horizonte.  Chora por ser mulher e ter que acompanhar seu homem a uma terra distante, feita mais de sonhos do que de chão.  Chora pela mãe, impedida de embarcar por um mal súbito de pele e pelo abraço longo que teme ter sido o último que deram nessa vida.  Chora pela saudade em forma de carta e pelos meses que levarão para que as notícias atravessem o oceano. No parapeito do navio, Arcangela se debruça e chora.  Chora pela filha que ainda não teve e pela sua inescapável sina de mulher que dará luz, lavará, coserá e alimentará a vida.  Chora pelos netos que ajudará a criar como se fossem os filhos queridos que Dio irá lhe negar.  Chora pelo marido que nunca encontrará pepitas de ouro nas ruas da terra prometida. Nem depois de varrê-las, cuidadosamente, no emprego de gari que arrumará após fugir da escravidão da faze