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Mostrando postagens de 2016

Uma espírita a favor da legalização do aborto

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Sou espírita de berço. Nasci numa numerosa e maravilhosa família de seguidores do Kardecismo e nunca, nem por um momento, pensei em ter outra religião. A filosofia espirita me satisfaz plenamente e tem um significado muito grande na minha vida. Cresci fazendo culto no lar, frequentando evangelização em centro espírita, mocidade, participando de trabalhos de cura e mediúnicos. Aprendi ainda muito nova que o aborto deve ser proibido pois o espírito que está reencarnando se conecta ao embrião no momento da concepção. Abortar é negar ao espírito a chance de reencarnar. Não apenas aceitei essa máxima como, durante anos, a tive como cláusula pétrea no meu sistema de valores. Me tornei mãe e procuro transmitir aos meus filhos essa doutrina que sempre me segurou nos piores perrengues da vida. Um dia, conversava com um dos meus filhos sobre o aborto e ele me disse que era a favor. Aquilo me chocou. “Como assim a favor do assassinato de inocentes? Como assim tirar do espírito a

Caixa de Pandora

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Caixa de Pandora Tia Lourdes era solteira, funcionária pública, baixinha, cabelos curtos e grisalhos. Tinha tudo para ser a mais previsível das criaturas. Mas, vira e mexe, nos surpreendia. Éramos criança quando ela nos visitou pela primeira vez. Antes de sair para dar uma volta, perguntou qual brinquedo gostaríamos de ganhar. Foi minha primeira arregalada de olhos. Nunca um adulto tinha nos feito essa pergunta fora do Natal. Fizemos os pedidos e não acreditei quando ela tirou da sacola o jogo Detetive. Era exatamente o que eu havia pedido. Nem Papai Noel, que nos trouxe Monark ao invés da Caloi, atendia à risca nossos desejos.  Fui morar com ela quando tinha 17 anos. Eu era uma adolescente difícil. Saí um ano depois, brigada. Ficamos um tempo sem nos falar e, de repente, estávamos de volta às boas, como se nada tivesse acontecido. Ela me tirou do apartamento dela, mas nunca me tirou de sua vida. Desse período, tenho algumas lembranças. Uma delas é que nem um grão de

Dois pais

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Dois pais.  A filha de um deles tinha cinco anos e desenhava na mesa da copa. No calor tórrido do noroeste paulista, ela usava uma calcinha de crochê vermelho. O filho do outro já era adulto e consertava o fogão da residência. Tinha tocado a campainha e perguntado se tinha fogão pra arrumar. Na boa fé das gentes do interior, ele foi colocado pra dentro e levado pra cozinha. A menina não suspeitou quando o rapaz se aproximou por trás e pediu pra ver seus desenhos. Ficou feliz quando ele começou a elogiá-los. Só achou estranho quando, em meio aos elogios, sentiu os dedos dele entrarem por dentro da sua calcinha.  Ele era tão simpático, mas aquilo era entranho. E, ao mesmo tempo que uma voz lhe dizia: “Isso não é nada, é só carinho", a outra incomodava: “O papai te faz carinho assim? Seus tios te fazem carinho assim?" A menina resolveu afastar-se. Correu para o quarto da mãe, encolheu-se num canto e botou na boca o dedão que há anos não chupava. Qu

"Pai meteu bebida na filha pra f... gostoso"

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"Pai meteu bebida na filha pra f... gostoso" Se você nunca entrou num site de filmes pornô amador, entre. Eu fortemente recomendo, especialmente se você tem filhos. Estes sites hoje são os principais responsáveis pela educação sexual das nossas crianças e adolescentes. Foi conhecendo esses sites que entendi a reação dos meninos do Piauí que, ao serem pegos após o estupro de uma garota, disseram que não haviam feito “nada de mais”. Eles estão certos. Pela educação recebida através desses sites, violar uma garota não é nada de mais. Pelo contrário, é gostoso, divertido e pura safadeza pegar meninas bêbadas na balada, arregaçar novinhas, expor garotas dormindo e todo um cardápio de abuso que vai além de qualquer imaginação. E não são só as imagens que chocam pela crueza e pela realidade com que a sexualidade é mostrada, cada vez mais distorcida. Os textos que descrevem os filmes são grotescos: “Pai meteu bebida na filha pra fuder gostoso”, “Acariciando a amiga bêbada”,

O dia das mães é uma merda!

via GIPHY O dia das mães é uma merda! As tias contam que sua mãe, já falecida, havia sido uma menina “terrível”. Os causos que justificam tal adjetivo são muitos. Desde pequena, a mãe nunca gostou de usar roupas. A vó teve que costurar suspensórios nas suas calçolas para ela não conseguir arrancá-las e sair peladinha por aí. Era briguenta como o cão. Uma vez, voltando da escola, ao ser perseguida por um bando de moleques, pegou um ramo de primavera que encontrou numa pilha de podas e foi pra cima deles, botando todos pra correr.  Contam também que ela amava plantas. A ponto de transformar qualquer lata de Parquetina, óleo, banha, sabão, em vasinho de flor. Um dia, para provocá-la, o irmão mais velho destruiu todos os vasinhos. Irada, ela atirou-lhe uma chave, que naquele tempo eram imensas, e quebrou-lhe um dente. Adorava brincar de trapezista e uma de suas brincadeiras preferidas era rodopiar no varal, até que um dia caiu e quebrou o coccyx. A filha se lembra del

Solo pobre

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O aluno de 12 anos sente-se profundamente injustiçado pela reprimenda da professora e, diante da recusa dela em ouvi-lo, deixa escapar toda sua indignação: “Ah, vai se fuder, Fulana…não fui eu que fiz isso!” O palavrão dispara a indignação da professora que começa a berrar. Seus gritos ecoam pela escola e são ouvidos até do segundo andar do prédio - punição número 1. O garoto é mandado para a coordenação - punição número 2. Lá, tenta se explicar em vão. Aparentemente, nessa escola, dizer um palavrão ao professor é o mais grave delito. Tão grave que lhe priva o direito de ser ouvido - punição número 3. Ele é mantido na coordenação durante toda a aula e recreio - punição número 4. Recebe uma advertência para levar para casa - punição número 5. É encontrado tempos depois pelos colegas, sozinho num canto, chorando convulsivamente. As crianças se solidarizam com o amigo. Na vergonha. No excesso das punições. Na perda do intervalo. No berros da professora. No p

Chá de Revelação

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“Amoras, fui convidada para um Chá de Revelação.” “Chá de Revelação? Qué isso?” “Tentem adivinhar?” “Já sei…o garoto ou a garota convida a família: vó, vô, pai, mãe, tio, primos, babá, vizinhos. Senta todo mundo na sala e, de repente, sai de dentro do armário. Revela que é gay. E as pessoas tem que levar presentes pra montar o novo guarda-roupa.” “Ai, eu já pensei outra coisa…você convida família, amigos, galera, senta todo mundo em círculo e serve um chá tipo lírio, sei lá, desses de erva que abre a mente, sabe? Daí o chá vai circulando enquanto as pessoas compartilham suas revelações.” “Não, gente. É uma piração beeem maior.” “Maior? Então só pode ser reunir todo mundo pra tomar o chá revelador e, quando tá todo mundo locão, o fulano ou a fulana pula de dentro do armário.” “Não, pior ainda. Chá de Revelação é convidar os parentes e amigos pra revelar o sexo do bebê depois do ultrassom.” “Sério! Existe isso?! Que bizarro!” “Menina, as pessoas

O criado-mudo.

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A mãe mexe no celular quando o filho, rapazola, se aproxima: “Mãe, o que é isso?” Ela responde sem olhar: “Isso o quê?” O moleque bufa: “Isso! O que é isso que achei na gaveta do seu criado-mudo?!” A mãe levanta os olhos e vê o garoto lhe apontando um objeto. Ela responde calmamente, sem mudar de expressão: “Um vibrador. Você sabe o que é isso.” O menino arregala os olhos: “E o que isso está fazendo na sua cabeceira?" A mãe ergue uma sobrancelha e, incorporando a diva de cinema mudo, devolve calmamente: “Você quer mesmo que eu te explique?” O adolescente franze o rosto com asco: “Ai...que nojo! Você é minha mãe! Eu não estou pronto para saber dessas coisas.” A mãe estica a cabeça e faz cara de quem não está entendendo: “Bom, se você não está pronto, por que mexeu no meu criado-mudo? Não sabe que em criado-mudo de mãe não se mexe? Criado-mudo é zona proibida. Você procurou e achou. Agora seja mocinho e lide com esse

A escola na sala de jantar.

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Ontem, só ontem, enquanto assistia ao filme Hannah Arendt, um pensamento me invadiu fino e fundo, como uma agulha de tricô e me virou o estômago e a mente: eu sei pouco, muito pouco ou quase nada sobre o nazismo. Um dos maiores crimes da atualidade contra a humanidade, com 6 milhões de pessoas sistematicamente assassinadas, e o que sei sobre o processo que levou uma sociedade dita civilizada a cometer tamanha atrocidade? Nada. O pensamento é talvez o mais rápido download que existe. Na mesma hora me conectei com a escravidão. Milhões de seres humanos arrancados de suas vidas e transportados como gado para servir de mercadoria. E o que sei realmente sobre esse fato, suas causas e consequências no mundo em que vivo? Praticamente só o que aprendi nas novelas das seis da Globo. Foi difícil continuar prestando atenção no filme. Vendo Hannah dar aula, refletindo de maneira tão aprofundada com os alunos sobre a natureza humana, me ocorreu que estudei numa escola estadual

“Professora, e seu eu te chamasse de vadia?”

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A sala do sétimo ano estava dispersa e, no meio da confusão, um garoto chama um grupo de alunas de vadias. Elas ficam muito indignadas e procuram a autoridade presente: a professora. A professora não dá bola. Negócio de criança, coisa da idade. A indignação aumenta. As meninas ficam ainda mais exaltadas e alguns garotos resolvem sair em defesa delas: “Ô profa, o moleque chamou elas aqui de vadias! Você não vai falar nada?!” A professora olha com cara de quem está cansada daquilo tudo e diz: “Depois vocês resolvem isso...lá fora no intervalo.” É quando um dos meninos a interrompe dizendo: “Profa, depois?! E se fosse eu que te chamasse de vadia? Você ia querer resolver agora ou depois?” O episódio ilustra bem como a construção da ética e do respeito nas relações ainda é uma realidade distante nas nossas salas de aula. E como a indignação do adulto é tratada com muito mais atenção do que a infantil ou juvenil. Na visão de muitos educadores, um conflito só