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Mostrando postagens de 2017

Bota Bee Gees na vitrola

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Bota Bee Gees na vitrola Semana passada fui ao cinema assistir a versão remasterizada dos “Embalos de Sábado à Noite”. Homenagem aos 40 anos do filme que foi um dos mais marcantes da minha geração. A gente morava no interior de São Paulo e queria muito ver esse filme, em cartaz no Cine Bristol, da rua General Osório. Mas eram os tempos da ditadura (a primeira, dos milicos) e, depois do curta metragem nacional e do futebol do Canal 100, entrava a famigerada cartela da censura dizendo que o filme era proibido pra menor de 18 anos. Eu era dimenor e necas de poder ir. Então, nossas tardes eram sentadas ao redor das meninas mais velhas ou das destemidas, que tinham carteirinha de estudante falsificada, pra escutar de novo e de novo, como num disco riscado, todos os detalhes das história de amor do Tony Manero com a Stephanie. Amávamos John Travolta e odiávamos a rival da Stephanie, Annette, porque era abusada e oferecida (mal sabíamos então que as abusadas e oferecidas ai

Balcão de golpes

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Balcão de golpes - Oi, aqui é o balcão de golpes de estado? - Sim. Posso ajudá-lo? - Eu quero tirar esse maldito governo eleito pelo povinho ignorante do meu país. - Uhmmm…governo democraticamente eleito?  - Sim, mas é claro que a eleição foi fraudada. - Fraude comprovada? - Não, mas a burra que eles botaram no poder nunca se elegeria sem trapaça. - Certo. Ela cometeu algum crime? - Claro, roubou pra caramba! Está acabando com o país. - Aí é mais fácil. Quais os crimes que ela está sendo acusada? - Pedaladas fiscais. - Como? - Pedaladas fiscais.  - Pedaladas fiscais? Entendo. Bom, eu vou olhar aqui a tabela, um minuto por favor…Item 21: ”Presidente democraticamente eleita sem fraude comprovada e sem crime de responsabilidade”. Ihh…vai custar caro. Bem caro. Não quer esperar pra trocar de governo na próxima eleição?  - Esperar?! Tá louco? Não aguento esperar nem mais uma semana! Caro quanto? - Deixa eu ver…Item

Ditadores e merenda, história antiga.

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Ditadores e merenda, história antiga. Durante a ditadura militar, no governo João Figueiredo, houve muita propaganda sobre os fantásticos benefícios da soja, grão estranho à população, cujo plantio estava sendo introduzido em nossos campos. Me lembro que minha mãe comprou o discurso e eis que, um belo dia, ela aparece em casa com uma saca de 60 quilos de soja. Tuba, nossa cozinheira*, reinava absoluta no fogão e decidiu que aquele grão desbotado seria preparado de duas maneiras: em forma de salada ou cozida como feijão. Minha mãe bem que tentou introduzir outras variações, mas, basicamente, na nossa mesa, o cardápio era inovado com um rodízio diário de soja em salada ou soja em feijão. Estudávamos na escola pública e, um dia, recebemos a notícia que o Governo Federal iria introduzir leite de soja na merenda escolar, fabricado por uma máquina que se tornou conhecida na época como “vaca mecânica”. Nosso paladar infantil entrou em colapso. Não conseguíamos lidar c

A esposa que falava com espíritos

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A esposa que falava com espíritos Bonelinha falava com os espíritos. Era um dom que tinha desde muito nova. Eles se aproximavam de mansinho e diziam coisas em seu ouvido. Às vezes confidências, às vezes auxílio, por vezes um desesperado pedido de ajuda. Uma noite, quando ia colocar a filha pra dormir, um espírito lhe cochicha que o marido, Batista, que havia saído já há algum tempo, todo bem vestido e perfumado, não tinha ido “cobrar verdura de uns fregueses” como ele lhe havia dito. E completou: “Se quiser, te mostro onde ele está." Bonela bota um casaquinho, calça uma sandália, pega a filha nos braços e sai na noite vazia, seguindo as direções do GPS do além. “Vira aqui, passa ali, atravessa lá, anda, anda, anda e bata palma nessa porta iluminada por um candeeiro com luz vermelha." Atende uma senhora de maquiagem e vestido que mulher direita nenhuma usaria. Pelo menos não naqueles tempos. A dona da casa arregala os olhos diante da visitante in

Comida de astronauta

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Comida de astronauta “Mãe, essa sopa tá esquisita. É sopa de que?” A mãe não sabia. Nem a assistente social soube dizer o que tinha naquele granulado esquisito que ganhou da Prefeitura.  A assistente ainda tentou animá-la: “É comida de astronauta, olha que chique!” “Moça, num precisa ir tão longe pra encher nossa barriga, não. Eu fui criada na roça. A gente era pobre, muito pobre, mas sempre tinha um cará, um aipim, uma taioba pra refogar, uma banana amassadinha pra dar pros bebês. Comida é o que vem do chão que a gente pisa, não da lua.”  “Mãe! Ô mãe! Que que tem nessa sopa?” O resmungo dos filhos a trouxe de volta dos pensativos.  Continuava sem saber o que responder. Misturou a ração da Prefeitura na água quente, colocou o miojo pra dar uma alegrada, uma pitadinha de sal. Sabe lá o que tinha na sopa. Lembrou-se da música que uma das patroas tocava na hora de dar papinha pro nenê. Começou a cantarolar: "Que que tem na sopa do neném? Que q

O beijo do fuzil

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O beijo do fuzil Tem gente que nasce em berço esplêndido. Tem gente que nasce virada pra lua. Marisa nasceu preta e favelada. Virou doméstica, diarista, ambulante e foi se virando que conseguiu dar pro filho um casaco e um boné de marca.  Tem menino que quer ir pra Disney.  Tem menino que quer ir num jogo da Champions.  O dela queria vestir o boné e o casaco da vitrine.  Foi o vizinho que acordou Marisa. Corre lá que os PMs tão dando um esculacho no seu filho e na sua filha.  Marisa salta da cama e chega na cena de pijama. Meus filhos não são traficantes, não senhor. Essas roupas de marca eu comprei na prestação. Sou trabalhadora, aqui não tem nenhum bandido. A roupa é do shopping, mas e o radiocomunicador, heim? Tem rádio aqui não, senhor. O PM resolve aplicar sua própria justiça. Manda Marisa bater nos filhos. Senta mão neles, mas senta forte, que senão batemos nós. Marisa nega. Nunca bati em filho meu, não vai ser agora,

Maconheira do Cristo

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Maconheira do Cristo Conheci Suzi em um bar em Perúgia e logo no primeiro parágrafo ela conta que é evangélica e toma antidepressivos porque tem uma forte depressão desde a adolescência. Talvez quisesse justificar seu simpático jeito meio atrapalhado falar, emendando uma história na outra e, muitas vezes, perdendo o fio da meada. Nessas horas, ela dá um suspiro, olha pra cima e diz: “Nem lembro mais o que eu estava falando.” Eu também não lembro, mas a gente logo engata noutro assunto e a prosa flui non stop. Mora na Itália há dois anos e no início tinha muito medo de se tratar com os médicos locais: “Aqui não tem muita gente deprimida, então eles não tem muita experiência com essa doença…não é como no Brasil que qualquer psiquiatra é super especialista nisso”. Enquanto pede outra cerveja, diz que quer parar com os remédios porque gosta de beber. “Bebo muito, sou cachaceira mesmo”.  “Mas Suzi, e a Igreja?” “Eu sei que não devia, mas pago meu dízimo e qual o problema d

O cornuto

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O cornuto Quando saio bicicleta, volta e meia passo numa esquina onde há sempre um velhinho sentado em uma cadeira de rodas, tomando sol e olhando o movimento. Numa dessas vezes ele acenou para eu me aproximar. Sinal verde. Velhinho fofo, italianíssimo, carismático e eu desesperada por uma socialização. Bora parlar. Mal me aproximo e ele começa a falar sem parar numa voz rouca e baixa. Explico que ele precisa falar mais devagar pois não falo bem o italiano. Ele abre um sorrisão, que eu diria até safado, se tivesse todos os dentes. Diz que logo viu que eu era gringa e que sou belíssima! Elogio na minha idade não importa de quem, quando e onde vem. Aceito, obrigada! Nos apresentamos com um aperto de mão. Ele me diz que se chama Vitório.  Gentileza daqui, gentileza de lá, eu já ia dando arrivederci, quando ele diz que na Itália amigos se abraçam. Sinal amarelo. O abraço não é tão comum por essas bandas onde estou, sendo que até as mulheres se apertam

Contém zoofilia, adultério e degeneração familiar

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Contém zoofilia, adultério e degeneração familiar  Era uma vez uma princesa, chamada Leda. Ela era tão linda, mas tão linda, que logo apareceu um rei querendo esposá-la. Leda aceitou e eles foram viver no Reino de Esparta. Todos os dias, depois de tomar seu café da manhã de rainha, Leda deitava-se na grama para um delicioso banho de sol. Naquele tempo não tinha biquini, então Leda ia nua mesmo.  Esse arreganhamento todo chamou a atenção de um cara do andar de cima, chamado Zeus. Zeus pirou no corpão da moça e fez um plano para possuí-la. Transformou-se num cisne e assim conseguiu entrar no jardim da rainha. Ao ver aquela ave com aquele pescoção, Leda não resistiu. Voou pena pra todo lado.  Naquela noite, Leda ainda transou com o rei Tíndaro. O resultado desse dia muito louco foi uma gravidez que deu a luz a dois ovos. De um dos ovos nasceram as gêmeas Helena e Clitemnestra e do outro, Castor e Pólux. Naquele tempo também não tinha DNA, então não se sabe até hoje com c

Faltam culhões

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Faltam culhões Aurora, a bionda, é uma calabresa baixinha, de pele bronzeada que contrasta com o forte descolorido dos cabelos. Adora usar vestidos curtos, saias rendadas e sapatos de salto bem alto, que a fazem caminhar com uma certa dificuldade pelas ruas de pedra do centro histórico de Spoleto, na Itália central. É minha vizinha de porta e toda as vezes que nos encontramos, deixa claro como sente falta do sul do país. É raivosamente infeliz aqui. Não gosta do povo que acha frio e esnobe, e diz isso empinando o nariz e alisando-o de baixo para cima com o indicador. Também não gosta do pão, do clima e sente falta dos peixes comprados diretamente dos pescadores que aportam nas praias de sua Catanzaro. Convidou-me para um café. Mostrou-me fotos da família e do marido falecido há seis anos. Era um homem belo. Acende um cigarro para contar que foi um câncer de pulmão que o levou tão cedo. Depois dele, nunca mais teve outro homem: “Sou fiel!”.  Com a morte do pai, os fil

O naná esquecido

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O naná esquecido Quando pequeno, o irmão tinha um “naná”. Um cobertor de berço que ele carregava pra todo o canto desde que nasceu. Tinha um tom encardido e um cheirinho azedo, mistura de sujeira, xixi, suor, suco de fruta, biscoito e outros nojinhos que compunham o aroma que o menino adorava sentir enquanto chupava o dedo e alisava as bordas puídas. Lavar o naná era proibido. Nas poucas vezes que o fizeram escondido, o resultado era um furioso ataque de indignação diante da traição revelada através do perfume do sabão Minerva. O jeito era dar banhos de sol e torcer para que o calor escaldante do interior paulista desse uma amortecida nos germes.  Eram os anos 70 e, um dia, o pai anuncia uma ida pra longínqua cidade de Caraguatatuba. “Vamos ao mar!” Mil preparativos para enfiar a família de cinco filhos na Caravan. Malas, despesa de supermercado pra vinte dias, boias, pranchas de isopor e 7 horas de estrada. Chegam exaustos e na hora de dormir, bate o

A xota na TV

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A xota na TV Lado A O menino assiste TV. De repente, sua série preferida é interrompida por uma xoxota gigante, 42 polegadas, em close ginecológico. Ele pula do sofá e sai gritando pela casa: “Tem uma xoxota na TV! Tem uma xoxota na TV! Mãe, mano…quem tá vendo pornô?” A mãe e o irmão mais velho chegam rapidamente. O irmão é o primeiro a falar: “Nossa, é mesmo! Tem uma xoxota na TV! Você tava vendo pornô, Fulaninho?” “Eu não! Tava vendo uma série. De repente essa xoxota aí apareceu na frente da TV”. A mãe faz expressão de brava: “Se não foi o Fulaninho, foi você, Beltrano. Você tava vendo pornô?” “Não, né. Tava estudando pro vestibular. Nossa, como será que isso aconteceu? Será que foi o vizinho?” O pequeno olha pra tela intrigado: “Olha, ela está deitada em cima de uma toalha cor de rosa. Epa, pera aí…Mãe! Você está enrolada na mesma toalha! ESSA XOXOTA É SUA!!!!!” “Que absurdo! Claro que não! Como minha xoxota ia aparecer na TV?! Você

Largo da Batata

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Largo da Batata Conheci Rafael no busão. Gato.  Eu tinha pouco mais que 20 anos, recém separada, com um filhote pequeno e trabalhando de babá. Uma hora e meia de condução pra ir pro serviço. Duas horas pra voltar.  Rafael era a parte mais legal do meu dia. Minha mão suava e meu coração disparava quando aqueles olhos verdes safados sorriam pra mim. Casei com 18 anos, virgem. Conheci meu marido na igreja.  Nossa grana era pouca, então mantive meu emprego de babá que pousava na casa dos patrões e folgava a cada 15 dias. Demorou pouco pra descobrir que nos dias que eu estava no serviço, meu marido trepava com outra na nossa cama. Arrumei outro serviço de ir e voltar todo dia, assim mesmo não deu certo com a gente. Separamos. Mas o pastor disse que meu casamento era eterno.  Tentei me manter fiel, mesmo depois da separação.  Daí o busão me trouxe o Rafael. Gato. Transamos pela primeira vez num quartinho de pensão no Largo da Batata. Rafael