Maconheira do Cristo




Maconheira do Cristo

Conheci Suzi em um bar em Perúgia e logo no primeiro parágrafo ela conta que é evangélica e toma antidepressivos porque tem uma forte depressão desde a adolescência. Talvez quisesse justificar seu simpático jeito meio atrapalhado falar, emendando uma história na outra e, muitas vezes, perdendo o fio da meada. Nessas horas, ela dá um suspiro, olha pra cima e diz: “Nem lembro mais o que eu estava falando.” Eu também não lembro, mas a gente logo engata noutro assunto e a prosa flui non stop.

Mora na Itália há dois anos e no início tinha muito medo de se tratar com os médicos locais: “Aqui não tem muita gente deprimida, então eles não tem muita experiência com essa doença…não é como no Brasil que qualquer psiquiatra é super especialista nisso”.

Enquanto pede outra cerveja, diz que quer parar com os remédios porque gosta de beber. “Bebo muito, sou cachaceira mesmo”. 

“Mas Suzi, e a Igreja?”

“Eu sei que não devia, mas pago meu dízimo e qual o problema da gente se divertir um pouco? Não é isso que desagrada o Senhor”.

Digo que é primeira vez que vou naquele bar. Ela avisa que ali é um reduto de comunistas. Mas frisa que são todos muito gente boa, diferente dos comunistas insuportáveis do Brasil. E que todo mundo é ateu. “Eu sou a única que acredita em Deus aqui. Devagarzinho vou tentando fazê-los escutar a palavra do Senhor, mas eles não ligam muito. Eu gosto de dar bíblias, já dei uma pra cada um. E um calendário com salmos. Fiquei superfeliz de ver que meu calendário continua em cima do balcão e que eles destacam uma folhinha por dia. Devagarzinho, a Palavra vai entrando.”

Deixa escapar que já fumou muita maconha. “Muita mesmo. Eu comia com farinha!” Dou risada e pergunto se ainda fuma.

Ela olha de um lado para o outro e sussurra que ainda dá seus pegas, mas que ninguém pode saber porque os pegas aqui pegam mal.

Pergunto se poderia me arrumar um pouco. Ela diz que pode me apresentar algumas pessoas. Explico que não é o caso, porque não como com farinha. Um beque me faria feliz por uns meses. “Te dou a grana e quando você pegar, me dá um pouquinho, pode ser?”

Ela nega e explica: “Se eu tocar no seu dinheiro, estaria fazendo tráfico. E tráfico eu não faço.”

Paro alguns segundos para tentar entender a lógica. Desisto. Tento argumentar que não é tráfico: “É compartilhamento. O Senhor não nos ensinou que devemos compartilhar, Suzi? Ajudar os necessitados? Então, me ajuda, poxa…”

Ela desconversa e muda o rumo da prosa, o que faz com uma habilidade incrível.

Quando estou indo embora, ela abre a bolsa e me dá um presente encapado caprichosamente com um papel de seda cor de rosa. Sinto o imenso carinho que ela coloca nesse ato e fico emocionada.

Volto do bar com uma Bíblia e sem o beque.

Tempos estranhos.

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