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Mostrando postagens de outubro, 2017

Balcão de golpes

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Balcão de golpes - Oi, aqui é o balcão de golpes de estado? - Sim. Posso ajudá-lo? - Eu quero tirar esse maldito governo eleito pelo povinho ignorante do meu país. - Uhmmm…governo democraticamente eleito?  - Sim, mas é claro que a eleição foi fraudada. - Fraude comprovada? - Não, mas a burra que eles botaram no poder nunca se elegeria sem trapaça. - Certo. Ela cometeu algum crime? - Claro, roubou pra caramba! Está acabando com o país. - Aí é mais fácil. Quais os crimes que ela está sendo acusada? - Pedaladas fiscais. - Como? - Pedaladas fiscais.  - Pedaladas fiscais? Entendo. Bom, eu vou olhar aqui a tabela, um minuto por favor…Item 21: ”Presidente democraticamente eleita sem fraude comprovada e sem crime de responsabilidade”. Ihh…vai custar caro. Bem caro. Não quer esperar pra trocar de governo na próxima eleição?  - Esperar?! Tá louco? Não aguento esperar nem mais uma semana! Caro quanto? - Deixa eu ver…Item

Ditadores e merenda, história antiga.

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Ditadores e merenda, história antiga. Durante a ditadura militar, no governo João Figueiredo, houve muita propaganda sobre os fantásticos benefícios da soja, grão estranho à população, cujo plantio estava sendo introduzido em nossos campos. Me lembro que minha mãe comprou o discurso e eis que, um belo dia, ela aparece em casa com uma saca de 60 quilos de soja. Tuba, nossa cozinheira*, reinava absoluta no fogão e decidiu que aquele grão desbotado seria preparado de duas maneiras: em forma de salada ou cozida como feijão. Minha mãe bem que tentou introduzir outras variações, mas, basicamente, na nossa mesa, o cardápio era inovado com um rodízio diário de soja em salada ou soja em feijão. Estudávamos na escola pública e, um dia, recebemos a notícia que o Governo Federal iria introduzir leite de soja na merenda escolar, fabricado por uma máquina que se tornou conhecida na época como “vaca mecânica”. Nosso paladar infantil entrou em colapso. Não conseguíamos lidar c

A esposa que falava com espíritos

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A esposa que falava com espíritos Bonelinha falava com os espíritos. Era um dom que tinha desde muito nova. Eles se aproximavam de mansinho e diziam coisas em seu ouvido. Às vezes confidências, às vezes auxílio, por vezes um desesperado pedido de ajuda. Uma noite, quando ia colocar a filha pra dormir, um espírito lhe cochicha que o marido, Batista, que havia saído já há algum tempo, todo bem vestido e perfumado, não tinha ido “cobrar verdura de uns fregueses” como ele lhe havia dito. E completou: “Se quiser, te mostro onde ele está." Bonela bota um casaquinho, calça uma sandália, pega a filha nos braços e sai na noite vazia, seguindo as direções do GPS do além. “Vira aqui, passa ali, atravessa lá, anda, anda, anda e bata palma nessa porta iluminada por um candeeiro com luz vermelha." Atende uma senhora de maquiagem e vestido que mulher direita nenhuma usaria. Pelo menos não naqueles tempos. A dona da casa arregala os olhos diante da visitante in

Comida de astronauta

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Comida de astronauta “Mãe, essa sopa tá esquisita. É sopa de que?” A mãe não sabia. Nem a assistente social soube dizer o que tinha naquele granulado esquisito que ganhou da Prefeitura.  A assistente ainda tentou animá-la: “É comida de astronauta, olha que chique!” “Moça, num precisa ir tão longe pra encher nossa barriga, não. Eu fui criada na roça. A gente era pobre, muito pobre, mas sempre tinha um cará, um aipim, uma taioba pra refogar, uma banana amassadinha pra dar pros bebês. Comida é o que vem do chão que a gente pisa, não da lua.”  “Mãe! Ô mãe! Que que tem nessa sopa?” O resmungo dos filhos a trouxe de volta dos pensativos.  Continuava sem saber o que responder. Misturou a ração da Prefeitura na água quente, colocou o miojo pra dar uma alegrada, uma pitadinha de sal. Sabe lá o que tinha na sopa. Lembrou-se da música que uma das patroas tocava na hora de dar papinha pro nenê. Começou a cantarolar: "Que que tem na sopa do neném? Que q

O beijo do fuzil

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O beijo do fuzil Tem gente que nasce em berço esplêndido. Tem gente que nasce virada pra lua. Marisa nasceu preta e favelada. Virou doméstica, diarista, ambulante e foi se virando que conseguiu dar pro filho um casaco e um boné de marca.  Tem menino que quer ir pra Disney.  Tem menino que quer ir num jogo da Champions.  O dela queria vestir o boné e o casaco da vitrine.  Foi o vizinho que acordou Marisa. Corre lá que os PMs tão dando um esculacho no seu filho e na sua filha.  Marisa salta da cama e chega na cena de pijama. Meus filhos não são traficantes, não senhor. Essas roupas de marca eu comprei na prestação. Sou trabalhadora, aqui não tem nenhum bandido. A roupa é do shopping, mas e o radiocomunicador, heim? Tem rádio aqui não, senhor. O PM resolve aplicar sua própria justiça. Manda Marisa bater nos filhos. Senta mão neles, mas senta forte, que senão batemos nós. Marisa nega. Nunca bati em filho meu, não vai ser agora,

Maconheira do Cristo

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Maconheira do Cristo Conheci Suzi em um bar em Perúgia e logo no primeiro parágrafo ela conta que é evangélica e toma antidepressivos porque tem uma forte depressão desde a adolescência. Talvez quisesse justificar seu simpático jeito meio atrapalhado falar, emendando uma história na outra e, muitas vezes, perdendo o fio da meada. Nessas horas, ela dá um suspiro, olha pra cima e diz: “Nem lembro mais o que eu estava falando.” Eu também não lembro, mas a gente logo engata noutro assunto e a prosa flui non stop. Mora na Itália há dois anos e no início tinha muito medo de se tratar com os médicos locais: “Aqui não tem muita gente deprimida, então eles não tem muita experiência com essa doença…não é como no Brasil que qualquer psiquiatra é super especialista nisso”. Enquanto pede outra cerveja, diz que quer parar com os remédios porque gosta de beber. “Bebo muito, sou cachaceira mesmo”.  “Mas Suzi, e a Igreja?” “Eu sei que não devia, mas pago meu dízimo e qual o problema d