Automóvel, o próximo cigarro.


Se, há 20 anos, alguém dissesse que os fumantes acabariam impedidos de fumar em praticamente todos os lugares, inclusive escritórios, aviões e botecos, daríamos risada. Naquela época, ninguém, absolutamente ninguém poderia prever a rejeição que o cigarro sofreria em tão curto espaço de tempo.

Com o automóvel acontecerá a mesma coisa. É o cigarro do futuro. A indústria automobilística é poderosa - como a tabagista, as pessoas amam andar de carro - como os fumantes amam dar suas pitadas, mas assim mesmo, um cenário muito parecido com o que promoveu a rejeição ao cigarro está montado. É apenas questão de tempo para que ela aconteça. Vejamos:

O carro vicia. Uma vez que se começa a dirigir, dificilmente se volta a andar a pé, de bicicleta ou de transporte público.

O carro nos torna sedentários. E todos sabemos os inúmeros males que o sedentarismo acarreta. É um problema de saúde pública.

O carro engorda. Estamos vivendo uma epidemia de obesidade. Curiosamente, nunca se dirigiu tanto. Quem deixa de se movimentar acaba acumulando gordura desnecessária. E o acúmulo de gordura é fonte de outros males como diabetes, problemas circulatórios e cardíacos, entre outros.

O carro causa males pulmonares. Todos os anos, milhares de pessoas morrem em consequência de problemas pulmonares causados pela poluição gerada pelo automóvel. Mesmo os mais saudáveis, têm anos de vida roubados pela má qualidade do ar. E, assim como o cigarro, os que mais sofrem são os "fumantes involuntários": crianças, idosos, pedestres e ciclistas.

O carro ajuda a piorar o aquecimento global. A fumaça do automóvel é uma das principais fontes de monóxido de carbono, o gás vilão do aquecimento global.

O carro estressa. Quem mora nos grandes centros sabe que está cada vez mais difícil circular a pé ou atrás do volante sem perder a calma. Vias congestionadas, dificuldade para estacionar, violência no trânsito, ar poluído, barulho, risco de atropelamento. O estresse é fonte de inúmeros distúrbios físicos e sociais.

O carro abre imensas cicatrizes nas cidades. O atual planejamento urbano (se é que temos algum) prioriza o automóvel e não as pessoas. Avenidas cortam bairros e dividem comunidades, rios e córregos são canalizados. Beiras de rios viram marginais feias e sem vida. Erguem-se viadutos sobre praças. As cidades acabam desfiguradas e seus moradores sem referências.

O carro impermeabiliza o solo. Para dar passagem aos carros, milhares quilometros de vias são asfaltadas e calçadas, impermeabilizando-se o solo. Com isso, pioram os problemas das enchentes e da captação natural de água para reabastecer os mananciais.

O carro piora a educação, a saúde e a segurança. Um volume imenso de dinheiro público que poderia ser muito melhor aplicado em benefício da população é desperdiçado anualmente com a construção de pontes, viadutos, túneis e avenidas, sem que, com isso, se resolva o problema do trânsito. É sabido que tais obras também são fontes fartas de desvio de verbas públicas.

O carro inibe o comércio local. Quem dirige prefere comprar em grandes empreendimentos, à beira de grandes vias de passagem e com amplos estacionamentos. Com isso, sufoca-se os negócios que precisam de pedestres para viver, como os mercadinhos de bairro, os cafés, os açougues, as pequenas lojas, floriculturas e etc. Os centros das cidades ficam deteriorados, o comércio de bairro inibido e novos shoppings são erguidos, ajudando a desfigurar ainda mais o ambiente urbano.

O cenário está pronto. Una-se a isso uma população cada vez mais atenta e informada e, em breve, motoristas serão personas non gratas em muitas regiões.

Para a indústria automobilística restará adaptar seus produtos aos novos tempos (ou canalizar todos os seus esforços de marketing para o pobre do terceiro mundo, como fez a indústria tabagista).

Para a indústria de combustíveis, finalmente, investir em pesquisas de novos produtos, menos poluentes e nocivos.

Para os governantes, tirar o foco dos automóveis e investir em ciclovias e transportes urbanos eficientes.

Para nós, rever toda uma forma de viver, mais lenta, mais centrada, mais humana. Não será fácil porque, desta vez, os fumantes somos todos nós.

Comentários

Silvia disse…
Ai, que texto perfeito! Lembrei de um vídeo que assisti outro dia:

Parte 1

http://www.youtube.com/watch?v=y4k1hfmcNBg

Parte 2

http://www.youtube.com/watch?v=WFmR9q1RsUU

É lindo! Dá um update no post e inclui esses vídeos, tem tudo a ver! E vamos encaminhar pra Secretaria de Transportes?
Alessandra disse…
Oi Tais, muito bom!!!!!!!!!!
Bjs, Alê
Renata disse…
ADOREI!

É a pura verdade. Meu marido e eu comentávamos isso hoje pela manhã. As coisas estão ficando cada dia mais difíceis e se a quantidade de carros continuar aumentando, vai ficar impossível entrar em um...

Beijo grande,

Renata.
Unknown disse…
Ponto de vista interessante. Gostei do texto, embora eu ache que com carro demore um pouco mais, pois ele é mais simbolo de status que o cigarro... Mas tudo pode acontecer rsrsrs

Eu lembro de uma matéria na Vida Simples em que falavam algo sobre isso, sobre a gente reocupar o espaço urbano que tem sido só pensado nos carros, esquecendo as pessoas...

Bjoks
Paula
hegli disse…
Gostei da matéria...

Esse assunto é tão complexo... tem tantas coisas que podem ser levantadas para discutir essa questão... enfim, em casa temos carro, moramos na região metropolitana de SP, no meio do caos, mas tentamos amenizar a situaão. Meu filho vai para o colegio de transporte escolar, meu marido vai para o escritorio dele (20km ida e volta) de bicicleta quando não tem reunião fora(apesar correr o risco de não haver uma ciclovia e do perigo de ser assaltado),
Mas posso afirmar que o transporte publico aqui é terrível: caro, perigoso e de péssima qualidade. Só o metrô é lindo, rápido e limpo, mas entrar nele durante a semana é um desafio, mesmo fora do horario de rush.
Enfim, ha que se pensar mesmo numa reorganização urbana, como citou a Paula, é um bom modo de iniciar um debate.
Como diriam minhas tias, esse é um assunto pra mais de metro, rs.
Bjos
Unknown disse…
Oi, Heigli e Táis.
Para mais de metro mesmo!! rsrs
Um ponto a se lembrar é que isso envolve muito o nosso "egoísmo", pq vou esperar ônibus, metrô ou o que quer que seja, se posso sair na hora que eu quiser.
Esse é mais um campo (assim como educação pública até o 2o grau e saúde pública) em que a falta de uso da classe média torna os serviços cada vez piores.
O Brasil precisa investir mais em metrô/trens urbanos. Eu moro em Campinas e aqui nem sinal de termos um metro, e a cidade já precisa muito...
Bjoks
Paula
Tais Vinha disse…
Silvia, ótimos links! Vamos publicá-los. Tb encontrei um link para um texto muito melhor que o meu no blog do Estadão. Vou incluí-lo no próximo post.

Eu tenho ficado impressionada com a quantidade de ciclistas na cidade de São Paulo. Mas são heróis da resistência, porque não deve ter ambiente mais inóspito para pedalar no mundo! E seu marido pedala 20 km, Hegli! Há uns 20 anos, resolvi virar ciclista lá. Não durou um mês e fui assaltada. Levaram minha bike. Acho que foi uma ordem divina para eu deixar de ser imprudente.

Realmente, para a coisa acontecer, o transporte público precisa melhorar muito. Morei um ano em Nova York e me lembro que todos se locomoviam de transporte público e táxi. Essa combinação é ideal. Porque na pressa, você pega um taxi, que lá é barato e incrívelmente mais acessível que manter um automóvel.

Quanto ao tempo, eu tinha carro em São Paulo, mas se não saísse de casa com pelo menos 1 hora de antecedência, nunca chegava a tempo em lugar nenhum. É ridículo! Vc vira prisioneira do carro.

Mas o status do automóvel começa a cair. Antes, ter um carro era tuuuuudo, como fumar. Lembra como todas as divas do cinema pitavam? Hj essa percepção está mudando. A indústria há muito não consegue lançar um carro mitológico. A matéria do blog do Estadão cita pesquisas da indústria detectando uma mudança de imagem "perigosa" no setor.

O processo será lento, mas, acredito, inevitável. O ser humano não consegue mais viver assim.

Bjs!
hegli disse…
Sim Taís, tb acho (e espero) que este processo seja inevitável.
Me marido, para diminuir o risco e assalto adaptou o "chassis" de uma caloi 10 velha, de quando ele era adolescente e equipou com acessórios de ultima geração que ficam meio "disfaçados" na bike velhinha e dão um desempenho maior. Uniu o util ao agradavel, reaproveitou o que prestava e não precisou gastar meteria prima e dinheiro com uma nova.
Nos tb usamos transporte publico os finai de semana. Moro no ABC Paulista e nesta virada cultural nós fomos de trem e metro. Rapido, facil, seguro e nao tivemos que nos preocupar com estacionamento.
Mas acho que no dia a dia, a classe media não se utiliza desse meio aqui Paula, nem é por não ter que esperar, pode ser um pouco comodismo, mas é que é sujo mesmo, lotado (já usei muito), vive quebrando...um horror.
Creio que reorganização urbana é a grande sacada. Ocupar os centros da cidade com moradias tb e não só comercio. Repensar a cidade é urgente.
Eu pressiono aqui, vcs em suas cidades, é assim que tem que ser, pensar e fazer o poder publico agir tb. Afinal, tá todo mundo no mesmo barco!!!
Bjus
Tais Vinha disse…
Hegli, acho que pior que o risco de assalto, é o risco de atropelamento. Bike roubada dá pra susbstituir, né? O ciclista precisa de segurança e prioridade nas vias.

Temos mesmo que repensar o espaço urbano. O modelo que adotamos dificulta a formação de comunidades, o contato humano fica prejudicado. Mal conhecemos nossos próprios vizinhos! Temos um longo caminho pela frente. Mas, como vc disse, se cada um agir na sua região...

Bjs e feliz dia das mães.
Unknown disse…
Oi, Heigli.
Tudo bem?
Sim, mas é sujo e quebrado, pq a verdade é que para pobre "vai qq coisa", essa normalmente é a visão. No geral, a classe média é mais briguenta, vai mais reclamar do que não gosta. As pessoas mais pobres normalmente não tem tempo algum (pq se for parar para reclamar de manhã vai chegar atrasado ao trabalho) e no final do dia já não aguenta mais...

Tais, sobre o que vc falou, realmente a gente nem conhece os vizinhos... Que tal se pensarmos maneiras de nos aproximarmos dos nossos vizinhos? Eu às vezes fico pensando nisso, mas nào tenho muitas idéias... Queria ver o que vcs pensam...

Bjoks
Paula
mperri disse…
Aleluia... 2 meses depois de me descobrir grávida, vendi meu carro!rs Com minha filha faço o máximo que posso a pé!
Unknown disse…
Perfeito, já está na hora de abrir mão de um suposto "conforto" e pensar seriamente na sobrevivência do planeta.