Aprendendo a trocar na escola.




Aprendendo a trocar na escola.

A primeira Feira de Trocas de Brinquedos da escola do meu filho começou estranha. Não pelas crianças, mas pelos adultos. Estavam meio tensos, inseguros, sem saber o que iria acontecer. "Será que vai ter briga, tumulto, confusão?".

Sentimentos compreensíveis. A troca é a transação mais presente na história humana, mas nossa geração desaprendeu essa prática. Tudo o que temos foi comprado.

Hoje, as Feiras de Troca estão voltando como uma forma mais consciente e, por que não, econômica, de dar um novo destino aos objetos que não queremos mais.

Como uma das mães que propôs a atividade para a escola, fui convidada a comparecer para orientar a garotada. De posse do microfone, veio o frio na barriga: "Orientar o quê? Se nem eu sei direito como faz?".

Na hora me lembrei das experiências compartilhadas pela internet com outras mães que participaram de feiras semelhantes e improvisei as dicas: "Olhem o que interessa, conversem com o dono do brinquedo e façam suas propostas." Foi só. 

A feira começou e o que aconteceu naquele espaço surpreendeu a todos. Foi um aprendizado do início ao fim. Para eles e para nós. 

O burburinho e a movimentação eram os de um mercado alegre e dinâmico. As crianças negociavam com autonomia e determinação. Iam de um lado a outro fazendo suas ofertas. Negócio fechado, saiam felizes, exibindo orgulhosas com seu novo brinquedo. Negócio recusado, corriam atrás de outra oportunidade. O clima amistoso foi a primeira coisa que chamou nossa a atenção. Nada de tumulto, de arrancar o brinquedo da mão do dono, de brigar. O respeito mútuo sempre presente na escola transpareceu nas relações. 

Claro que aconteceram conflitos. A menina que se magoou porque a melhor amiga não quis a oferta dela. O garoto que quis o brinquedo de volta depois de trocado e emburrou porque não conseguiu. O grupo de garotas que disputou com afinco uma boneca ainda na caixa. O pequeno que ficou aborrecido com as críticas dos amigos ao brinquedo simplesinho que ele escolheu. Em todos eles, os educadores intervieram só quando necessário, por entenderem que eram oportunidades preciosas e únicas de aprendizado. 

E quanto aprendizado! Uma professora se aproximou de mim com lágrimas nos olhos. Tinha testemunhado uma aluna que tem muita dificuldade em dizer não, recusar uma oferta ruim para o seu par de patins. Achou aquilo uma conquista ímpar na vida daquela criança. Outra viu a garota que quer agradar a todos, ter que escolher um entre os vários pretendentes ao seu brinquedo. Teve o menino apegado, que voltou para casa com seu velho brinquedo, por não conseguir se desfazer dele. E o desapegado, que não quis nada em troca e preferiu doar seu balde de Lego. 

E as crianças que não trouxeram brinquedo? Até elas nos deram lições. Foi combinado que ao final da troca, caso sobrassem brinquedos, elas poderiam escolher um. Mesmo assim, participaram alegremente das negociações, ajudando seus amigos. Ao final, sobraram vários brinquedos e praticamente todas puderam ficar com um. Ninguém reclamou que quem não trouxe não devia participar. Pelo contrário, muitos festejaram que o colega também conseguiu um brinquedo. 

Saí da escola refeita. Como pode um evento tão rápido e despretensioso concentrar tanto aprendizado?!

Estava ansiosa para retornar depois do almoço para o evento com as turmas da tarde. Mas meu filho mais velho machucou o dedo no futebol e passamos a tarde no pronto-socorro. Me dei conta que vida de mãe também é uma eterna troca. Nesse dia, abri mão da desejada Feira da tarde em troca de um necessário gesso. 

Quem foi mesmo que disse que as trocas não fazem mais parte da nossa vida?


P.S: Cometi o pecado mortal de não citar a supermãe e parceira na idealização do mundo, Silvia Schiros. Felizmente, o papel virtual permite edições. Silvia, valeu ter sua companhia em mais essa aventura!


Comentários

Dani Balan disse…
Taís, querida!
Também fui a idealizadora e organizadora oficial da feira de trocas aqui nas terras orlandinas, na escola das meninas. E, como vc, também fui convidada a participar da feira.
Os medos foram os mesmos, confesso. Mas as alegrias também!
Me surpreendi com a ausência de apego das crianças! E com a capacidade deles (até dos mais pequenos) em negociar!
E mais: a felicidade que sentiram com o brinquedo novo.
Olha, foi de emocionar!
Bj pra vc!
Dani Balan - sua fã!
Thaís, tenho acompanhado com interesse as ações e debates do Crianças Livres de Consumismo e fico muito feliz ao ler sua experiência.
Quero organizar uma troca assim agora para o Natal e tenho as mesmas preocupações. Muito bom constatar o quanto somos capazes de aprender em todas as situações.
Abraço,
Dilaine.
Maria Tereza disse…
Minha filha demorou umas três feiras da troca para conseguir trocar alguma coisa. Para ela foi um exercício e tanto de desapego.
Na escola dela até os adultos trocam! É uma delicia.
Parabéns pela iniciativa,
Beijo