Mulheres que me fizeram. Teresa.
Mulheres que me fizeram.
Teresa
Depois de enterrar a filha, Teresa senta-se no degrau da
varanda com um copo de cerveja e um cigarro. As únicas coisas que consegue ingerir.
Quem passa pela rua, dá o boa noite de sempre, sem se dar
conta de que aquela era tudo menos uma noite boa.
A vizinha se aproxima. Teresa lhe oferece um banquinho. A
moça começa a chorar. Era amiga da filha e estava esperando Teresa sair para
poder lhe dar um abraço. Teresa a consola. Oferece um copo de cerveja. A conversa toma o rumo das recordações. Algumas engraçadas, como o dia em que a filha, barbeira, trombou com o portão da casa ao lado.
A vizinha suspira e me conta que também enterrou seu nenê.
Era um menino e até hoje ela não sabe direito porque ele morreu. "Nasceu
vivo. Me disseram que foi infecção. Tinha feridas no corpinho todo."
Teresa acende outro cigarro. A noite é quente. Vai
ser difícil dormir com tantas lembranças. Lembrança da vida dura que levou até
poder sentar-se no degrau daquela varanda. Dos outros dois filhos que foram levados pela fome, ainda pequenos. Do marido alcoólatra que colocou para fora
"pelo bem das crianças". Dos carrinhos de cimento que carregou para
bater a laje. Dos anos de serviço em casa de família e dos muitos filhos negros
e brancos que criou.
Lembrou-se do tempo que era uma "negrinha
atrevida" que batucava em latas e vivia aprontando pelo bairro. Da escola
de samba que ajudou a formar os "Acadêmicos dos Campos Elíseos". Dos
homens que amou, mas que nunca colocou para dentro de casa, porque estavam só
de olho "na minha cesta básica e na minha cerveja".
Foi puxando memórias que distraiam a mente. Assim não se
lembrava da filha no blazer da funerária, "de um azul lindo como eu
nunca vi".
A vizinha se despede. O marido dela está chegando e é muito "sistemático".
Não gosta que ela fique na rua.
Teresa grunhe qualquer coisa, calça o chinelo gasto e se
levanta. Vai "se chumbar" para dormir, com o remédio para o
estômago que os filhos disseram que era calmante.
Enquanto se afasta para dentro da casa, a escuto cantarolar
"...meu peito até parece sabe o quê? Tauba de tiro ao álvaro não tem mais
onde furar..."
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