Mulheres que me fizeram. Sônia.
Mulheres que me fizeram.
Sônia
Quando todas eram normalistas, tia Sônia era bailarina.
Vestia roupas chamativas, usava muita maquiagem e sabia de
cor a coreografia das dançarinas da abertura do Fantástico.
Casou-se com um primo, contrariando a parentada que dizia
que primo com primo não podia casar.
Era um casal descolado. Ela linda, decotada, chamativa. Ele
cabeludo, cinto de couro gasto, chinelo preso só no dedão. Namoravam em
público, coisa esquisita na época. Íamos todo ano para a praia e enquanto meus
pais ficavam na areia distribuindo sanduíches de mortadela e bananas, eles
ficavam abraçadinhos, se curtindo dentro d'água.
Os parentes tinham lá sua razão. A filhinha deles nasceu com
um problema nas pernas que podia ser corrigido, mas a menina teria que
ficar engessada dos pezinhos ao quadril por muitos meses. A única
abertura era um buraco para sair o xixi e o cocô.
O marido trabalhava fora e para cuidar melhor da nenê, tia
Sônia veio morar conosco. Minha mãe também tinha dado à luz recentemente e
nossa casa virou uma farra de fraldas e gente.
Os seios de tia Sônia faziam jus à fartura. Era, como ela
mesma se chamava, uma "vaca leiteira". Além da filha, amamentava
também a minha irmã, complementando o
leite que faltava nos peitos de minha mãe.
Briguenta, comprava nossas brigas de rua. Nos ajudou a botar muito moleque para correr. Até que um dia nos viu provocando um deles e nunca mais se meteu nas nossas confusões. "Se defender, sim. Arrumar encrenca, não."
O dia que foi ao pediatra tirar o
gesso da nossa prima, voltou chorosa. As pernas não estavam boas ainda. Para uma bailarina,
era difícil lidar com uma bebezinha que crescia sem poder se movimentar. Choramos todas
juntas.
Depois que ela já havia se mudado de casa, passei mal na escola.
Tentaram em vão localizar meus pais e acabaram ligando para a tia Sônia. Ela
não tinha carro e estava com algum problema muscular. Assim mesmo, foi na mesma
hora me buscar, mancando pelo caminho.
Me lembro de ter passado aquele dia na casa dela. Fui
cuidada com sopa e carinho. Para a garota mais velha de uma casa com muitos
irmãos, aquele dia ficou gravado na minha memória como meu dia de filha única.
Me senti amada e importante.
Não eram só os seios de tia Sônia que eram generosos.
Comentários
Simplesmente emocionante esses dois textos! Lindo!
Bjus