Largo da Batata






Largo da Batata

Conheci Rafael no busão. Gato. 

Eu tinha pouco mais que 20 anos, recém separada, com um filhote pequeno e trabalhando de babá.

Uma hora e meia de condução pra ir pro serviço. Duas horas pra voltar. 

Rafael era a parte mais legal do meu dia. Minha mão suava e meu coração disparava quando aqueles olhos verdes safados sorriam pra mim.

Casei com 18 anos, virgem. Conheci meu marido na igreja. 

Nossa grana era pouca, então mantive meu emprego de babá que pousava na casa dos patrões e folgava a cada 15 dias.

Demorou pouco pra descobrir que nos dias que eu estava no serviço, meu marido trepava com outra na nossa cama.

Arrumei outro serviço de ir e voltar todo dia, assim mesmo não deu certo com a gente.

Separamos. Mas o pastor disse que meu casamento era eterno. 

Tentei me manter fiel, mesmo depois da separação. 

Daí o busão me trouxe o Rafael. Gato.

Transamos pela primeira vez num quartinho de pensão no Largo da Batata.

Rafael era um tesão e com ele senti o que nunca senti com o Sérgio, meu ex-marido.

Uma noite, Rafael tirou a camisinha do pau sem me avisar e continuou metendo. Eu só percebi quando senti o gozo descer nas pernas.

Fiquei assustada, mas não entendia muito das coisas. Não disse nada e nunca mais peguei o mesmo ônibus.

No mês seguinte a menstruação não veio.

No outro também. Só no terceiro mês tive coragem de ir na farmácia comprar o teste.

Dois risquinhos

Positivo

Caralho

Disso tudo só me lembro do pânico. Como eu ia fazer? Já tinha um filho pequeno que dependia de mim. 

Minha patroa também estava grávida. Se soubesse da minha gravidez, certeza que ia me mandar embora.

Não contei pra ninguém e mantive o serviço. Tudo que ela não podia fazer por causa da gravidez, eu fazia. Erguer peso, carregar compra. A barriga dela crescia e ela exibia orgulhosa. A minha eu disfarçava com roupa larga.

Rezava pra Deus me ajudar a não ter que encarar o povo da Igreja. Como ia explicar que engravidei de um cara que me comia no Largo da Batata, comigo ainda casada na casa de Deus. 

Um dia tive muita contração. Foi a primeira vez que faltei do serviço.

No pronto-socorro me disseram que eu tava ganhando nenê. E me deram bronca porque não fiz pré-natal.

Maria Luiza nasceu com pouco mais de 5 meses de gravidez.

Minha bebezinha galeguinha viveu só uma semana na UTI. 

Quando a enfermeira me contou que ela não tinha vingado, chorei um choro fininho, que vem do fundo da alma e corta a carne que nem estilete.

Mesmo com toda culpa, com toda vergonha, eu jamais queria ter feito mal pra minha bebê. 

A patroa veio me ver e também chorou. Disse que foi por ter olhado só pra barriga dela e nunca ter visto a minha.

Continuei no emprego e aos poucos fui refazendo a vida. 

Às vezes penso que a Maria Luiza foi embora porque não quis nascer mulher nesse mundo.



Comentários

Dani Garbellini disse…
Chorei.
Be Wizard disse…
Faço minhas a palavra do comentário anterior.
Chorei.