O diploma de datilografia





O diploma de datilografia.

Abriu uma pasta com documentos antigos e se deparou com um diploma meio amarelado, de papel encorpado e pequenas trincas nas bordas. No cabeçalho, em letras pomposas, estava escrito “Diploma de Datilografia”.

Pegou uma xícara de chá, sentou-se e deixou que viessem as recordações.

Estava na sexta série quando a mãe a matriculou no curso de datilografia da Dona Cidinha. Lembrou-se da sala cheia de máquinas Remington, das pilhas de papel jornal que eram aos poucos preenchidas com linhas infinitas de A [espaço] Ç [espaço] S [espaço] L [espaço] D [espaço], dos dedinhos magros que voltavam para casa doloridos e sujos de tinta.

Na família era regra que os filhos fizessem o curso de datilografia quando chegassem ao ginásio. Exigência dos pais para que eles se preparassem para o futuro. 

Ironia. 

O futuro virou presente, o mundo deu mais voltas que as bobinas de fitas preta e vermelha das máquinas de escrever e o curso tão importante para sua preparação tinha virado algo exótico, sem serventia alguma na era digital.

A tentativa ingênua e fracassada dos pais em controlar o amanhã a fez recordar-se deles com carinho. E a pensar em si mesma, como mãe. Tanto esforço, tempo e dinheiro investidos na “formação” dos filhos. E o tec tec das máquinas de escrever lhe gritando: “para quê?”

O futuro é imprevisível. Alucinantemente imprevisível. Deliciosamente imprevisível. Assim mesmo, vivia cada dia da maternidade tentando prevê-lo e controlá-lo. Matriculando os filhos em cursos disso e daquilo, escolhendo escolas assim e assado, querendo a formação mais completa, mais forte, mais competitiva, mais empreendedora…decisões baseadas no que era importante no presente. E não no futuro!

P[ ] A [ ] R [ ] A [ ] Q [ ] U [ ] Ê [ ] ? 
 P[ ] A [ ] R [ ] A [ ] Q [ ] U [ ] Ê [ ] ? 
P[ ] A [ ] R [ ] A [ ] Q [ ] U [ ] Ê [ ] ? 
 P[ ] A [ ] R [ ] A [ ] Q [ ] U [ ] Ê [ ] ? 
P[ ] A [ ] R [ ] A [ ] Q [ ] U [ ] Ê [ ] ? 

Fotografou o diploma e botou de papel de parede no celular como um lembrete de que, já que estamos remando rumo ao desconhecido, talvez seja melhor colocar menos coisa na bagagem. Assim, quem sabe, não chegaremos lá tão cansados.

Agradeceu aos pais a lição e à Dona Cidinha, que se a visse hoje digitando este texto com três dedos teria um surto.



Comentários

Anônimo disse…
Que bonitinho esse texto!
Pedro Vinha disse…
Maravilho o texto.
Parabéns!
hilda disse…
Adorei !! Ainda me lembro da primeira lição de datilografia cedilha , f,k,j,h . Minha Olivetti ficou com a Aline.
hilda disse…
Adorei !! Ainda me lembro da primeira lição de datilografia cedilha , f,k,j,h . Minha Olivetti ficou com a Aline.
Bastian Silva disse…
Já falei que amo o blog? Se já falei ou não falei, repito de qualquer modo, amo o blog! É um dos poucos que eu paro pra ler com prazer em cada linha, parabéns!
Minha mãe também fez curso de datilografia no ginásio, mas a essa altura do campeonato ela já perdeu a prática. Ela ainda se lembra de como colocavam uma tábua em cima do teclado da máquina de escrever e aí de você se errasse. O bagulho era punk, cara.
Blog muito lindo, beijundas!!
ari francisco fiadi disse…
Estou com 90 anos.Com 14 anos fiz o curso de datilografia Vital Brasil,
na rua Teodo sampaio,bairro de Pinheiros,na Capital.
Ao terminar o curso o exame era por numero de palavras datilografadas
por minuto, com uma tabua cobrindo o teclado.
Depois fiz,como aluno mais novo a FGV,com professores americanos.
Em 1982 terminei o curso de Psicologia na FMU.Estou a disposição para
chats no fone 11-=38263962. Larga experiencia de vida, fiz negocios na
Russia em 1993,quando trouxe para o Brasil,o maior helicoptero,M1,que
carrega 5 tons ou entra um veiculo pela rampa trazeira. Ja fiz 6 viagens
para a China. Em 1970 trouxe a Yamaha,para o Brasil,após viagem para o Japão.
Durante 19 anos,empresa de transportes (Transp.Unidos Ltda)por estrada de terra.