Onde, senão na escola?



Onde, senão na escola? 

O "paraíba vagabundo" vira um brasileiro como eu

A "bicha que merece uns tapas" se transforma apenas num cara diferente de mim

O "neguinho safado" vira ser humano e meu mano

Perco o medo de quem é diferente e com isso viramos todos iguais



Onde, senão na escola? 

Deixo de temer quem não teme o meu Deus

A palavra "nosso" ganha um significado muito além do que ensina a gramática

Descubro que nem toda mulher apanha como a minha mãe

Aprendo outras formas de resolver problemas sem ser "enfiando a mão na fuça daquele filho da puta"



Onde, senão na escola?

Entendo que escutar é tão importante como falar

Descubro que tenho uma voz e aprendo a usá-la

Deixo de ser o filho especial e passo a ser só mais um aluno

Observo que o comportamento que tenho em casa nem sempre funciona com meus colegas e professores e com isso mudo.



Se não é na escola, onde é? 

Alguém sabe responder?







Comentários

Gaby disse…
Amei.... neste fim de semana das mães, me sinto lisonjeada em ouvir isso como professora.
Etchechurry disse…
Pode ser na escola... Mas deveria ser em casa. Isso sobrecarrega demais os professores. Terceirizar a responsabilidade dos pais é um dos grandes problemas entre pais e filhos.
Tais Vinha disse…
Alexandre, seu comentário reflete como ainda confundimos o papel da escola e da família. E esta confusão gera sobrecarga e frustração. A escola realmente não tem função de educar para a vida privada. Mas tem o dever de preparar as crianças para a vida coletiva ou pública. E esse preparo não é apenas ensinar conteúdo. Por mais que os pais eduquem, jamais conseguirão reproduzir em seus lares o ambiente escolar. Existem experiências que só se vive na escola. E a escola tem que estar apta para lidar com elas. Conversei estes dias com uma educadora que acabou de voltar da Espanha. Lá, há todo um trabalho de resolução de conflito no ambiente escolar, devido ao terrorismo (ETA). Ela conta que conversou com uma professora de matemática e perguntou o que ela fazia quando estava dando aula e acontecia um conflito na sala. A resposta surpreendeu: "paramos tudo e vamos conversar sobre o que houve. Relações humanas são mais importantes que a matemática". Achei sensacional - e me pergunto - como um dos países mais violentos do mundo, o Brasil, despeja sistematicamente a responsabilidade nos pais e permite que a escola se omita em preparar as crianças para a cultura da não violência? Você realmente acha que a escola depende de ter alunos e famílias ideais para realizar bem o seu trabalho? Isso não é utópico? Robert Selman, de Harvard, afirmou que as histórias familiares e das comunidades sempre se repetirão, a não ser que as crianças dessas famílias sejam expostas a um novo modelo. Onde, a não ser na escola elas estarão expostas a esse novo modelo? De novo - de relacionamento COLETIVO. Se a escola não existe para isso, para tornar o futuro coletivo melhor, serve para quê?
Marilia disse…
Taís, sou professora e concordo. Não acho que adianta esperar que a família eduque as crianças, por exemplo, para lidar com situações que talvez nem aconteçam no seu cotidiano. A escola é a responsável pelo relacionamento coletivo mesmo. Sabe o que é mais engraçado? Eu sempre ouço que os melhores alunos vêm de "boa família", que os soube educar (e fico com a pulga atrás da orelha), mas, quando disse um dia que iria educar meus filhos em casa, as mesmas pessoas disseram que eu estaria retirando dele uma etapa essencial de saber conviver em grupo.
Vamos (nós, escolas) assumir ou não a nossa responsabilidade de ensinar a lidar com o diferente e com os conflitos que as ideias podem trazer?
Abraço
Tais Vinha disse…
Oi Marilia, obrigada pelo comentário. Realmente o ambiente escolar é totalmente diverso do familiar e rico em oportunidades de aprendizado social. O aprendizado para o convívio com a diversidade, por exemplo, começa onde, senão na escola? Participei de um debate com uma mãe que questionou como se faz para educar os filhos para a sustentabilidade se na escola ele convive com filhos de famílias que não estão nem aí. A postura dela era de uma mãe frustrada. Mais tarde pensei que é justamente nessa troca entre as diferentes posturas de vida que está o ganho da escola. A chance única de nossos filhos saberem que existem outras formas de viver, gente que não se comporta como meus familiares. Além do crescimento interior, esse convívio permite um aprendizado muito mais rico. Num planeta em constante evolução de conceitos, essa ebulição de opiniões e modos de vida distintos que acontece na escola é a coisa mais maravilhosa que poderia acontecer na nossa sociedade. Mas ainda enxergamos isso como algo negativo! Bjs!
Ana Júlia disse…
Oi, amiguinha

Realmente, o "nosso" é muito profundo. Se eu não considerar todos os seres humanos meus irmãos, não poderei sequer dizer "Pai Nosso", quando for orar.

Feliz dia das mães para ti.

Beijos
Silvia disse…
Pena que nem todas as escolas estejam preparadas para isso. E para promover um diálogo entre as famílias, a fim de debatermos essas diferenças. Eu tenho muitas dificuldades com alguns conceitos que, para mim, são bem diferentes, e talvez um debate me fizesse ver as coisas de outra forma. Sei lá, às vezes me sinto tão perdida quanto a mãe que comentou com você que tinha dificuldades em ensinar sustentabilidade se as outras famílias não estavam nem aí pro assunto. Tem horas que só quero sentar e chorar. ;-)
Tais Vinha disse…
Silvia, eu também já desejei uma escola com semelhantes, mas uma educadora conseguiu me mostrar que é justamente o aprendizado do convívio com a diversidade a grande riqueza da escola. É fundamental para o aprendizado para a vida coletiva, que nossos filhos convivam com quem é diferente. Diferente na raça, na religião, nas opiniões, na forma de resolver problemas, no sexo, etc. Porque lá fora, o mundão é assim. E o aprendizado para o convívio coletivo, se não for na escola será onde? Mesmo que eles tenham que conviver com os filhos de quem não pensa como nós, isso tb é aprendizado. De tolerância e de filtrar as informações - que recebe em casa e que recebe do outro. Só aprende a agir com autonomia, quem sabe ponderar as variáveis e escolher o caminho que acha mais correto. Se nós pais sempre entregarmos esse caminho de bandeja eles não conquistarão a autonomia. Serão seres obedientes, mas não autônomos. O convívio com outras perspectivas permite que eles ponderem e optem. Onde isso acontece, senão na escola? Bjs!
Hegli disse…
Decepcionada e assustada com a reunião de pais na escola do Lucas hj...
Esperava uma proposta de conversa da escola aproveitando os pais reunidos sobre a agressividade de alguns alunos. Como não houve, esperava ao menos mais maturidade dos pais para conversar sobre o assunto. Mas como os filhos vão melhorar se os próprios pais não dão o exemplo de respeito e educação ao tratar de problemas de agressividade dos filhos??? Pais falando que dizem aos filhos: em casa ensino assim "apanhou, bate"... (tô preocupada)
Estou escrevendo agora uma carta para a escola propor algo para amenizar a situação e o seu texto vai me ajudar a ter argumentos para convencer que a escola precisa SIM ajudar a mediar esses conflitos.
Obrigada Taís!
Bjus
Tais Vinha disse…
Hegli, a escola se isenta de administrar o coletivo, achando que nós pais é que temos que agir. E a gente age, cada pai e mãe do jeito que acha que vai resolver o problema. E se fica pra gente, vai se assim mesmo. Uns mandam não revidar, outros mandam bater. E fica um samba do criolo doido. Quando a escola assume seu papel de educar para a vida coletiva, as regras deixam de ser a de cada família e passam a ser as da escola, a da sociedade: "aqui você não pode bater. Existem outras formas da gente resolver sem ser batendo". E se o pai diz que manda bater, a escola simplesmente diz: "aqui na escola não aceitamos o uso da violência para resolver problemas. Aqui seu filho não pode bater". Ponto. A ESCOLA É A AUTORIDADE NO ENSINO DO COLETIVO E NÃO OS PAIS. Mas para isso, A ESCOLA TEM QUE AGIR. Tem que ter autoridade sobre o que acontece lá dentro. Tem que ter firmeza para agir sobre o garoto que bate na primeira vez que ele faz isso. E na segunda e na terceira. E agir também sobre o garoto que apanha para que ele não aceite isso quieto, ensinando-os formas de reagir perante o aressor. Isso é atuar sobre as relações coletivas. É aprendizado social. Se não for na escola, vai ser onde?
é na escola!
e é justamente essa a importância da escola, mas - já tem tempo - que a "matemática" se tornou mais importante que as relações humanas, afinal existe um modelo com um peneira no final que exige "a matemática". o que estamos demorando a perceber é que as relações humanas serão exigidas logo a seguir.
atualmente tenho a felicidade de conviver num ambiente escolar que prega e pratica exatamente isso. mas sei que sou uma privilegiada!
beijoca
Tati disse…
Como assim, "onde, senão na escola?" Em casa, ora bolas! A escola tem o seu papel, mas os pais não podem se eximir da responsabilidade de ensinar os filhos a lidar com as diferenças. Claro que a escola é um ambiente muito propício para esse tipo de aprendizado, mas o exemplo dado em casa é fundamental. A família e a escola devem estar alinhados nesse sentido. Se os pais forem omissos ou se eles mesmos derem um exemplo de intolerância para com as diferenças, estarão dificultando ou até inviabilizando o trabalho da escola.
Unknown disse…
Olá Taís, encontrei seu texto no livro " Da escola para a vida em sociedade" da editora ADONIS. Ficamos encantadas com o texto, achamos a mensagem perfeita e peço licença para fazer uma adaptação e divulgar na Mostra Pedagógica da escola em que trabalho em Campinas, SP.
Abraço,
Sheila
Ví a palestra de Telma Vinha, e confesso que me apaixonei pelo tema. Estou sedento para conhecer mais sobre o assunto. Amilton.