Escolas com Alzheimer




 Escola 1: 

Quando a professora se aproxima para ver a tarefa, a menina explica em voz baixa e envergonhada que o pai bêbado havia batido na mãe, tiveram que chamar a polícia e, na confusão, não conseguiu fazer a lição. A professora dá de ombros, vira as costas e enquanto retorna para a lousa, diz em voz alta para toda a classe ouvir que aquilo não era desculpa e que a tarefa era para ser feita independente de tudo.

A menina se enfurece, os olhos se enchem de lágrimas, sai da sala empurrando cadeiras, batendo a porta e chamando a professora de vaca. Por conta disso toma uma advertência.

Escola 2: 

O menino, que nunca foi aluno nota 10, tem uma piora no rendimento. Angustiada, a mãe procura a coordenadora da escola. Ela conta que o marido está bebendo muito e o filho presenciou o pai alcoolizado agredir a mãe. Após o desabafo, a coordenadora tranquiliza a mãe, informando que iria discutir o caso com os educadores e que juntos traçariam um plano de apoio para que o garoto conseguisse atravessar o vendaval familiar sem tanto prejuízo ao seu desempenho escolar. Se comprometeu também a conversar semanalmente com o menino, para acompanhar suas evoluções e, antes de encerrar a reunião, orientou a mãe sobre como ajudá-lo nos estudos domésticos.

De acordo com relatos da própria mãe,  a partir desse dia, a melhora do menino foi a olhos vistos. Não virou o melhor da sala, mas recuperou a média em todas as disciplinas. E "voltou a sair da escola sorrindo, coisa que há tempos não fazia". Ela ainda se emociona quando pensa em como a situação do casal afetou o filho, mas diz que a postura da escola a ajudou a perceber que ela não podia mais permitir que o filho se prejudicasse tanto.

Duas escolas com problemas semelhantes. Duas abordagens completamente distintas. Os dramas humanos são os mesmos. O que muda é o preparo, o respeito e o comprometimento dos educadores envolvidos. Muda também a consciência de que o desempenho deles e dos alunos está totalmente atrelado à vida que insiste em pulsar do lado de fora dos muros.

Não vou sequer comentar a atitude da primeira professora. Os fatos falam por si e definem bem quem deveria ter sido advertido. 

Prefiro valorizar o segundo caso. Nele, o que mais me chamou a atenção foi a percepção da coordenadora em agir sem tomar para si o problema que era da família. A questão foi conduzida pela escola de forma clara: "faremos tudo o que for possível para ajudar seu menino no desempenho escolar". Ela não deu conselhos, não julgou, não tentou consertar o mundo, nem agendou reunião no AA para o pai. Simplesmente fez o que foi possível para atuar junto ao garoto de forma a minimizar os danos naquilo que era da sua competência. E com isso, foram todos muito bem sucedidos. O resgate educacional foi feito. A auto-estima do aluno melhorou como um todo. Ele se sentiu compreendido e acolhido por toda a equipe sem ter seu drama exposto. 

Matricular seu filho numa escola fechada pra vida é como colocá-lo numa clínica para pacientes com alzheimer. Ninguém vê ninguém e o outro não existe. Felizes dos alunos que nesta situação ainda conseguem chutar cadeiras.








Comentários

Pérola disse…
"Felizes dos alunos que nesta situação ainda conseguem chutar cadeiras."

Contemplada!
Pérola disse…
"Felizes dos alunos que nesta situação ainda conseguem chutar cadeiras."

Contemplada!
Dani Balan disse…
Uau!
Perdi o fôlego!
Mais uma belíssimo texto, uma ótima reflexão e uma bela lição.
Sou sua fã, D. Tais.
Bj.
Dani Balan
Leonardo Xavier disse…
Dureza, realmente um pouco de humanidade e empatia consegue fazer muita diferença na vida das pessoas.
Sarah disse…
Ótimo post. Posturas totalmente distintas que vão fazer a diferença para essas crianças. Muito boa a reflexão.
bjos
perfeito!
e não deve nem ser tão difícil tomar a atitude correta...
abraços
"Felizes dos alunos nessa situação que ainda conseguem chutar cadeira e chamar a professora de VACA".

Adorei. Como sempre ótima reflexão.

Beijos estalados.
Anita disse…
Você faz muita falta por aqui:leitura obrigatória!
Não demore tanto a postar, a gente fica viciado em textos de bom senso como os seus...
Oh Tais, bom te ler novamente!!
É tem muuuuita escola por aí que teima em trabalhar à partir do mundo ideal onde professores ensinam, alunos aprendem e pais são inteiramente responsáveis por seus filhos. Uma pena, realmente uma pena...
O terrível é que talvez o primeiro caso seja mais comum do que deveria. Muito pertinente seu post nesse momento de início de aulas.
Ótima semana p/ nós.
Aline disse…
Oi Taís!
Adoro seus posts. Tenho uma filhinha de 3 anos e, por isso, gosto especialmente dos posts sobre consumo. Às vezes, me espanto tanto com coisas que vejo que é bom saber que tem mães que pensam de forma parecida. Ando especialmente preocupada com o lance do "fashion" e da beleza. Já vi em Brasília escolas que tem uniforme "fashion" ou "vanguarda" ou "básico" para crianças de 3 anos. Ou seja, tudo errado. Rotular crianças dessa idade? Desvirtuar a função do uniforme?

Escolas de como ser uma fashionista para meninas de 10 anos de idade? http://www.fashionteen.com.br/crbst_1.html

Adoro suas considerações e a forma segura como você parece lidar com suas escolhas e com a própria escola de seus filhos. Eu coloquei a minha em uma escola que só tem pré-escola. E pretendo, ao longo do ano, buscar uma escola para o ensino fundamental e acho que será muito importante avaliar o perfil dos demais estudantes, já que ela passará a sofrer muita influencia das coleguinhas fashionistas ou não.

Continue escrevendo.
E não tem nada que você demore pra escrever um pouco. Eu vou relendo seus posts.

Beijo,

Aline