O jornalismo ajuda a perpetuar omissão da escola com relação ao bullying.


O jornalismo ajuda a perpetuar omissão da escola com relação ao bullying.

O que mais me chama atenção nas recentes matérias que saíram na imprensa sobre o bullying é a ausência de qualquer menção à responsabilidade das escolas.

Entrevistam vítima, agressor, pais, especialistas e até famosos, mas ninguém fala sobre a participação dos educadores no combate a este grave problema. Clique aqui para ver as reportagens do Fantástico e do Jornal Nacional

Pior ainda. No caso do menino australiano que reagiu a um suposto bullying e virou herói, criou-se a falsa impressão de que a melhor forma de resolver o bullying é a vítima reagir com agressividade. Claro que ele tinha todo o direito de se defender. Mas achar que é assim que se combate o bullying denota não apenas uma compreensão equivocada do problema, como transfere à vitima a responsabilidade por solucioná-lo. Com o agravante de perpetuar a omissão por parte dos adultos que deveriam estar supervisionando aquelas crianças.

Casey Hanes conta que sofria bullying há cerca de 3 anos. Três anos e ninguém nunca percebeu que tinha algo errado com essa criança?! Ninguém nunca notou que ele tinha dificuldade em fazer amigos? Que vivia sozinho? Que não gostava de ir à escola? Que tiravam sarro dele? Que o agrediam? Que o excluiam dos jogos e brincadeiras? Será que nenhum professor percebeu uma provocação mais abusada ou preconceituosa (o menino é gordinho)? Pergunto o mesmo dos casos brasileiros noticiados.

Tenho certeza que algum representante da liga "bota a culpa nos pais" vai dizer que eles tinham pais omissos e blá, blá, blá. Pode até ser, vai saber... Mas toda vítima de bullying tem pais omissos? E lá isso é motivo para condenar uma criança a ser torturada diariamente dentro dos muros da escola, no período em que fica sob supervisão dos educadores? Pelo contrário. Crianças assim, precisam de ainda mais ajuda e proteção. Já basta a vida dura que levam em casa.

Recomendo também que assistam a entrevista com o autor da agressão (linque no rodapé deste texto). No final, se acaba ficando com pena. É uma criança, como os filhos de todos nós. Um garoto franzino, fragilizado, acuado pela exposição e com a condenação em massa. Já foi até jurado de morte. Os adultos que o julgam se esquecem que ele não é um bandido. É uma criança em processo de construção de sua moralidade. Precisa de ajuda, de intervenção e de orientação. Bom seria se tais limites tivessem chegado antes do caso cair na internet.

Se você é jornalista, na próxima matéria sobre o bullying, entreviste diretores, coordenadores, professores e fiscais de pátio e pergunte:

. O que sua escola tem feito para combater o bullying?
. Como vocês reagem quando um pai ou aluno reportam uma agressão?
. Como vocês agem quando percebem que uma criança não consegue se enturmar?
. Qual a intervenção nas brincadeiras de mau gosto, apelidos preconceituosos, nos desmerecimentos, exclusões e ofensas?
. O que vocês tem feito para sensibilizar a plateia (os amigos que assistem e dão risada do bullying)?
. O combate ao bullying é sistematizado nesta escola?
. Vocês consideram humilhação, provocação e ofensa "coisa de criança"?
. Vocês acham que os alvos também tem culpa no cartório?

Perguntem também aos alunos o que a escola tem feito sobre o assunto. Eles são grandes observadores dos fatos.

O bullying é um problema em todas as escolas. Agir contra ele deveria ser um trabalho sistematizado, isto é, que requer atenção e participação continuada de toda a equipe. As escolas precisam parar de fazer de conta que o problema não lhes pertence e atuar com energia, de cabeça erguida e sem medo de perder matrículas. Matrícula perde quem deixa que crianças sofram assédio físico e emocional dentro de um local onde elas deveriam se desenvolver em sua plenitude.

Casey Hanes encerra sua entrevista aconselhando as vítimas de bullying a aguentarem firme pois um dia a escola termina! Tem coisa mais triste para uma criança dizer?

Poderia ter aconselhado os alvos a contarem para um adulto, a procurarem ajuda, a não sofrerem calados. Mas, Casey está certo. Com todo mundo fazendo de conta que o problema não lhes pertence, melhor mesmo aguentar firme. E rezar para que chegue logo a formatura.



Comentários

Nine disse…
Esse é um assunto para ser muito discutido e trabalhando pela sociedade. Quando criança não me lembro de ser vítima, mas me lembro do pavor de ser uma delas algum dia. Horrível. Ninguém sabe muito o que fazer, mas com certeza a ação deve ser conjunta. Não se pode jogar a responsabilidade apenas nos pais, nem apenas nas crianças e muito menos apenas na escola. Só que falar isso e disso é colocar o dedo na ferida...dói, fede, ninguém quer.

Beijos,
Nine
Neda disse…
Por mais envolvidos que sejam os pais, se a escola não tomar nenhuma ação não adianta nada. Os pais podem conversar com o filho, orientar, falar com a professora, a coordenadora que por vezes não veem nada demais na "brincadeira" das crianças. Chega uma hora que a única coisa que os pais podem fazer é trocar o filho de escola. Na escola, a autoridade é dos professores e coordenadores (direção) e se estes não fizerem nada o "bully" se sente legitimado.
Beijos
Neda
Tais disse…
Oi Nine, também penso que não há "culpado" pelo bullying. Mas há participantes. Segundo o Jornal Nacional quase 60% das pessoas que já sofreram bullying afirmaram ter acontecido dentro das escolas. E como pode a escola nunca ser ouvida nessas matérias? Fica-se com a impressão que é caso de polícia, de pegar um pau e sair dando cacetada pra todo lado, de praticar homeshooling. Como disse a Neda, a escola tem que exercer sua autoridade e sua liderança para não legitimar o bullying. Aliás, não é esse o papel que eles vivem cobrando dos pais?

Bjs!
Angela Escritora disse…
Traduzi um livro muito bom de uma inglesa, um livro para crianças mas , como bom livro infantil , é aquele que criança também lê, é pra todos. Chama-se "Me deixe em paz" Ática. O tema era esse.
NO meu tempo a gente falava de implicantes. Havia crianças implicantes. A coisa não era tão violenta. Já no tempo dos meus filhos soube de dois filhos de amigas agredidos em seus prédios.
Agora, as notícias falam de escolas.
Acredito que a causa principal seja a ausência na nossa sociedade do princípio de NOBRESA. Antigamente, se uma criança apanhavam, sempre alguma criança mais velha impedia, defendia a menor.
Fora isso, todos estão confusos.
A menina daqui chegou mordida da escolinha. Escrevi um bilhete pra a professora que me respondeu falando sobre a necessidade de conviver com as DIFERENÇAS. Ora, menino que morde não é diferente. Certmente a professora queria dizer em conviver com as DIFICULDADES, mas ela também, pobre pessoa, é confusa.
excelente texto.

é da escola também a obrigação de mediar os conflitos e instruir os pais sobre como agir com seus filhos agressores e agrididos. como mãe gostaria muito de saber como agir nas duas possibilidades.

e é papel da mídia, dos jornalistas sair da superficilidade e aprofundar a apuração e as escuta dos envolvidos, antes de publicar/exibir.

abraços
Tais Vinha disse…
Oi Angela, boa a dica do livro. Vou repassar para algumas pessoas com quem discuto o assunto e tb para a escola dos meus filhos.

Sabe, tenho dúvidas se hoje é mais ou menos violento. Chego a achar que é igual sempre foi, mas antigamente ninguém ligava. Eu mesma fui autora de bullying na minha infância. Pegava no pé feio de uma vizinha que era mais pobrinha, meio gordinha. Eu devia ter uns 8 anos e nunca ninguém conversou comigo sobre o assunto, recriminou ou reparou no que estava acontecendo. Apenas depois de adulta, quando comecei a estudar o problema, me dei conta que o que eu e outras crianças da rua fazíamos com a menina era bullying. Eramos maus? Claro que não. Eramos crianças, sem noção alguma do sentimento do outro.

Em compensação, meus filhos hoje, na mesma idade já conhecem o bullying, sabem identificá-lo e conversam a respeito. Outro dia, inclusive, se manifestaram contra um garoto ter sido chamado de "saco de banha" num jogo de futebol.

O que mudou de lá pra cá? A consciência sobre o assunto.

Me lembro tb que no colegial, tinha o Ameba na sala de aula, o Estranho, o Pateta. E até os professores os chamavam assim! Era normal.

Talvez a violência no bullying esteja maior...não sei dizer. Mas sem dúvida vivemos em uma sociedade mais violenta e as crianças refletem isso.

Quanto às mordidas, sua filhota tem quantos anos? Estou até para escrever sobre isso, porque há uma idade em que isso é normal (geralmente entre os pequenos). Eles ainda não conseguem resolver conflitos conversando, então partem pra tapas e dentadas. O educador que trabalha com esta faixa tem que ficar muito atento. Principalmente, com os mordedores contumazes. Às vezes é até necessário que um auxiliar ou monitor acompanhe mais de perto tais crianças até que elas superem esta fase. Mas nada justifica a resposta da profa. O que mordida tem a ver com conviver com as diferenças? Por acaso era mordida de vampiro ou de dentadura? Deve ser "dificuldade" mesmo, mas mesmo assim a resposta é doída de ruim.

Bjs!
Tais Vinha disse…
Mariana, concordo, concordo, concordo. Os pais australianos mostrados na reportagem (não mostram uma alma penada da escola, mas os pais estão lá, carimbando presença!) pareciam tão perdidos! Fiquei comovida com ambos.

Os pais precisam ser chamados e orientados. Vc tem toda razão. Ninguém quer ser pai de autor ou de alvo de bullying. Mas agindo juntos, podemos resolver o problema com muito mais eficiência. Parceria e não jogo de empurra.

Bjs! E obrigada por complementar muito bem sobre o papel da mídia.
Telma disse…
Rosely Sayão percebe que as escolas não cumprem seu papel educativo, estimulando comportamentos socialmente danosos.

“As escolas não só não agem decisivamente na mediação dos conflitos e nos ensinamentos das relações solidárias como incentivam a competição entre colegas como motivação para o desenvolvimento nos estudos, além de fazerem apologia dos ‘alunos populares’. Ora, quem aprende que precisa competir e ser popular usa as armas que tem para tanto. Isto pode significar sair dando cotoveladas para garantir seu lugar. E os pais são cúmplices dessas atitudes da escola, é bom lembrar.” (Folha de S. Paulo, 19/05/2005, folhaequilíbrio, p.12)
Oi gente,

Só prá complementar, são dois links da UOl um é de hoje sobre uma escola em Alagoas, o outro sobre uma escola no Rio.

O importante é discutir mesmo. E como já disse aqui, numa outra postagem da tais sobre bullying, a forma mais eficaz de evitar é educar as crianças para que saibam como se tornar autônomas e seguras.

Bjs

http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/?hashId=justia-manda-escola-pagar-indenizao--aluna-no-rj-04024C1C356ED4810326&mediaId=10057581



http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/?hashId=justia-manda-escola-pagar-indenizao--aluna-no-rj-04024C1C356ED4810326&mediaId=10057581
Anônimo disse…
OI TAIS,
...fiz um comentario no post anterior sobre escola construtivista, pois gostei muito de todos os seus textos do blog. Gostaria muito de dicas de escolas construtivista aqui em BH, e saber o que vc pensa sobre a escola logosófica. sei que meus comentarios foge um pouco do tema em questão, que é o bullyng, mas gostaria muito de receber uma resposta sua. Grata Fernanda felopesc@yahoo.com.br
Anônimo disse…
Educação é conjunto, tratar o caso só por um lado é ineficiente. Se a escola se omite a gente tem que denunciar, não só como pais como cidadãos.

O trote foi/é tradicional aqui, o que me chama atenção é que agora vem com a identidade de bulling, deixou de ser a gaiatice  do 1o dia de aula e "evoluiu" pra uma violência geralmente ligada a estética do outro ou sua sexualidade (como os das faculdades, ano após ano).

São basicamente dois grupos, os fracotes contra os legais, os mauzinhos contra os bonzinhos, os cool contras os nerds ou seja os ganhadores contra os perdedores sempre, e desde cedo temos que definir em que lado devemos estar ou é isso ou a exclusão do seu grupo social, e claro todo lado tem sua conseqüência.

Não dá pra tratar como um problema na escola ou na educação dos país pq essa já é a consequencia do problema e não o causador.
Bj
Juliana disse…
A escola é o espaço onde a criança vai ficar sozinha, sem a casa ou os pais para protegê-lo. A escola tem que ter responsabilidade sim. Mas já vi em alguns programas que pais de filhos que vitimizam outras crianças acham que os filhos são maiorais, não conseguem ou não querem ver que seus filhos têm, na verdade, um problema, que provavelmente eles colaboraram para originar. Se em casa a violência física, moral, psicológica é considerada normal, na rua a criança vai provavelmente repetir. Por isso, os pais têm que ser chamados a comparecer, a ver, a partilhar com os demais pais, ver as outras crianças, etc.
A.S. disse…
Vejo que as escolas hj tem medo, não sei se é bem esse o termo, de assumir responsabilidades, seja por receio de desagradar seus clientes, pois é assim que elas nos enxergam, ou por achar realmente que não é responsabilidade delas.
Fiquei abismada ao ver em algum lugar na blogosfera que existem escolas que indicam professores para reforço escolar. Atestado de incompetência de seus professores? E ainda colocam culpa na criança e nos pais, assim como o fazem nos casos de bullying.
Outro caso que tb achei um absurdo foi de um aluno diagnosticado como hiperativo (não sei se é politicamente correto escrever isso) foi aconselhado a deixar a escola.
Quer dizer, se vira que o filho é seu!
Ana Júlia disse…
Ou as escolas expulsam o bullyng, ou o bullyng expulsa os inocentes da escola.

De uma professora revoltada.