Essa escola me pertence?


A apropriação do espaço escolar.

Outro dia, assisti a uma palestra de um arquiteto sobre a apropriação do espaço público pela população. Ele contava da experiência de Curitiba em revitalizar áreas degradadas, a partir do envolvimento dos moradores. O resumão da ópera é que só há uma ocupação sadia ou a revitalização de uma área, quando os moradores se apropriam do espaço, utilizam e zelam por ele.

O raciocínio é simples. Quando os habitantes se sentem "donos" de uma área, ou seja, quando entendem que aquele espaço também lhes pertence, a relação com a região muda completamente. Diminui a sujeira, o vandalismo, a criminalidade, aumenta a sociabilização, a organização e a qualidade de vida de todo o entorno.

O aprendizado da palestra me fez pensar no espaço escolar. Quantas vezes a escola falha em fazer o aluno se sentir pertencente à aquele espaço? E isso não se aplica apenas às escolas de periferia. São várias as escolas particulares que não estimulam e até dificultam esta relação.

Aqui na minha cidade há uma grande escola que ocupa prédio muito imponente. É cara. Lá alunos e professores são impedidos de afixar qualquer coisa nas paredes para manter o ambiente "clean" (a não ser nas reuniões, quando os mestres são orientados a escolher os melhores (!) trabalhos para exibir aos pais). Prioriza-se a arquitura em detrimento às pessoas. Se fosse um monumento histórico estaria ok, mas estamos falando de uma escola. E quer coisa mais fria e distante do que uma escola com paredes vazias?

Ou portas trancadas? Ou horários limitadores? Ou uma circulação restrita? E ainda, grades, cadeados, pedidos de permissão para tudo, diretoria com imagem de delegacia, coordenação que remete à fiscalização, cantinhos do castigo (leia-se "pensamento"), câmeras, alunos que são vistos como arrumadores de encrenca e não como parte viva e fundamental daquele ambiente. Um clima generalizado de "isso não pode".

Uma escola viva, orgânica, acolhedora, começa com um espaço que pertence a todos os envolvidos no processo educacional. E isso inclui alunos, pais, comunidade, funcionários e educadores.

Aulas fora da sala, pesquisas em bibliotecas, assembléias, alunos circulando, reciclando, fazendo compostagem, praticando esportes, tocando música, organizando uma rádio, jornais e murais, instalações de arte, horta, leitura no páteo, salas de aula com espaço para exibição da produção de todos, prateleiras abertas para livre acesso a livros e ao material didático, decoração temática das paredes, festas e feiras organizadas por todos, espaço para os trabalhos em grupo...enfim, assim como em uma cidade, há um número infinito de ações que podem ser promovidas para favorecer a ocupação.

Dá trabalho? Sim, como tudo na vida. Principalmente no início, mas logo o hábito de ocupar o espaço se forma, as regras se estabelecem e as pessoas aprendem que zelar pelo coletivo é zelar por algo que também é delas. E aí a coisa flui, pois o cuidado com a escola se torna responsabilidade de todos. Porque todos sentem que ela lhes pertence.

É uma grande lição de cidadania. Sem cartilha, sem sermões. Apenas com confiança, liberdade, respeito e amor.

Da próxima vez que visitar a escola do seu filho, observe a ocupação. E pergunte, o que mais podemos fazer para melhorá-la. Sempre há espaço. E ele também é seu.

Comentários

Acho que muitas vezes com a desculpa de asspesia, de cuidado com o prédio, de muitos outros argumetos, a escola não tem a cara dos nossos filhos, da comunidade, enfim, a quem pertence. Fica fria.

Na escola onde estudei até hoje de tempos em tempos os alunos são convidados a pintar os muros com motivos que lhes venham à mente.

Onde a Larissa estuda, que não é o mesmo colégio, há vários murais com fotos, trabalhos de turmas inteiras, mensagens... Uma forma de valorizar o que é produzido lá dentro e o que as crianças são capazes de fazer.

Raramente vemos pichação e vandalismo por lá... legal, né?! Talvez porque as pessoas se sintam valorizadas!

Beijo,
Ingrid
Silvia disse…
Até que estamos bem servidas, né? Mas depois me fala que escola é essa (eu até acho que sei, mas quero confirmar) onde não pode nada, que vou fugir dela como o diabo da cruz.
Unknown disse…
Ah, tb fiquei curiosa para saber que escola é, rsrsrs
Antes de mais nada segue o link para um texto da Rosely Sayão que gostei muito: http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br/arch2010-04-16_2010-04-30.html

Sobre o texto, eu concordo plenamente... Independente de escola paga extra (a particular) ou paga pelos nossos impostos (publica), o espaço tem que ser coletivo... Eu fico pensando, pq nào por os alunos como responsáveis pela sala... Limpeza (mesmo que light, mas antes de terminar as aulas, ver se ficou tudo limpo, teria um quadro para anotarem o que precisa arrumar etc etc), decoração como vc mencionou...
Câmeras me incomodam muito, as escolas (até berçarios) e alguns pais falam disso como se fosse o suprassumo a escola ter câmera... para mim é o uó... Se eu não confio no berçário, pq vou deixar meu filho lá? E se a escola não confia no meu filho maior, pq vou deixá-lo lá... Há maneiras e maneiras de se melhorar a segurança, e não serão câmeras em sala de aula ou corredor que resolverão a questão...
Quanto ao horário, até entendo que a escola precise ter um horário regular de funcionamento, até pq precisa de funcionários ou responsáveis para cuidar, mas nada que não seja possível dar um jeito...
Eu fiquei aqui pensando... E já penso nisso há algum tempo... Mesmo que seja uma escola que meu filho nào vá, eu deveria me envolver com alguma por aqui. Alguma dessas que é meu imposto que paga :-). Ajudar em algo...
Só nào sei como ainda.
Bjoks
PS: postei sobre a 2a vermelha: http://tentativaerroexperiencia.blogspot.com/2010/05/segunda-vermelha-blogagem-coletiva.html
Vanessa Anacleto disse…
Este tipo de preocupação, de tornar a escola um espaço de todos, deveria partir de governos e empreendedores da educação naturalmente. Faz parte do conceito global de educação.

Taís, estou aqui para convidá-la a conhecer meu novo espaço. www.maeetudoigual.com.br.

bjs
Taís Vinha disse…
Oi Ingrid, isso que vc cita sobre o vandalismo é real. Escolas que abriram o espaço e acolheram a comunidade, raramente sofrem depredação. A população cuida. Mas as particulares não costumam sofrer este tipo de problema. Com elas, o problema é roubo, pequenos vandalismos, indisciplina, arrogância...que legal que vc encontrou uma escola bacana pra sua pituca.

Silvia, acho que não me fiz entender direito. A tal escola, apenas não deixa pregar nada nas paredes - o que eu já acho o Ó. O que descrevo no parágrafo a seguir, é um compilado do que acontece diariamente em muitas outras escolas. Não só naquela. Não quero ser injusta, nem sofrer processo, hahahaha.

Oi Paula, neoblogueira! Concordo com vc. Esse negócio de câmera vigiando filho é esquisito. Acho que tem um lado de aliviar a culpa e matar a saudade de quem está longe. Mas tem um lado voyer, invasivo a beça, não? Imagina trabalhar num ambiente Big Brother desses? Pais e mães que curtem uma webcam escolar: saibam que não vai ter uma pessoa normal cuidando do seu filho. Gente normal (não sei se existem) pede demissão nessas circunstâncias. Quem topa é duvidoso ou precisa muito. O que é fator para se ficar esperto.

E isso que vc cita, de ter a participação dos alunos tb nas pequenas tarefas é ótimo. Ocupar o espaço é mantê-lo. É catar o cocô do cachorro, é não estragar as plantas, é não quebrar o brinquedo, o orelhão, é varrer uma calçada, etc. E por que não na escola? Mas os pais vão reclamar que a escola não tá querendo pagar faxineiro. Hj o negócio é brabo! Vou ler seu blog.

Vanessa! Saudade...sim, faz parte do conceito, mas contamos nos dedos as escolas realmente abertas à ocupação. Aparentemente, é algo que dá medo. É mais fácil botar cadeado e dizer que o outro estraga tudo.

Adorei o nome do espaço. Vou te ver por lá.

Bjs!
Leonardo Xavier disse…
Eu acho essa uma idéia interessante tanto no exemplo da comunidade como na questão da escola, mas eu tenho a impressão que a maioria dos país atualmente tem delegado toda a tarefa de educar os filhos as instituições. Assim como as pessoas tem abandonado os espaços públicos ao cuidado do Estado.

A questão principal é como envolver a comunidade nesses dois casos?
Gabriela Prado disse…
Achei seu post maravilhoso!!

A escola da minha filha é isso tudo o que vc falou, o que mostra que essa escola integrada com alunos-familia-comunidade é possível!!!

Agora mesmo a parte do 6º ao 9º ano se mudou para um espaço dos sonhos (daqui a algum tempo td a escola vai para lá) e para se ter uma idéia tinham alunos e pais ajudando na mudança em pleno feriadão!!!!!

Em compensação muitas pessoas que desconhecem esta metodologia de ensino pensam que ela não dá limite aos alunos, que não ensina direito, que é MUITA LIBERDADE!!!

Quis dar o meu relato para mostrar que esta escola não é só no idela, ela é possível, mas dá trabalho, temos que estar implicados nas nossas escolhas!!

Foi maravilhosa sua abordagem do tema.

BJss
Taís Vinha disse…
Leonardo, os adultos delegam tudo e com a educação não seria diferente. Não sou socióloga, mas acho que é uma característica do brasileiro. Esperar que o estado ou o Nosso Senhor dêem jeito. Envolver a comunidade é difícil, pois trata-se de uma mudança de cultura, mas não é impossível. Eu moro em um condomínio de casas, relativamente grande e como era bairro aberto, tem uma diversidade grande de moradores (graças a Deus!). Aqui nossa luta tem sido essa: mostrar para as pessoas que somos uma comunidade e que não adianta ficar reclamando da diretoria ou da Prefeitura. Se cada morador fizer uma pequena parte, moraremos num lugar muito melhor. Somos parte viva deste processo. Os resultados estão surgindo aos poucos, mas tem que ter muita determinação pra não desistir. Bjs!
Taís Vinha disse…
Oi Gabriela, que legal que vc achou uma escola assim! Elas são poucas e boas! Adorei s pais ajudando na mudança. Você fez um comentário ótimo: uma crítica comum é quanto o "excesso de liberdade" nessas escolas. Tem gente que diz que os alunos ficam todos "largados". E, realmente, há escolas onde isso acontece. Os pais tem que ter este filtro. E isso é facilmente indentificado ao analisarmos a postura das crianças (uma criança largada é bem diferente de uma criança pró-ativa ocupando o espaço, segura naquele ambiente), a produção intelectual, a alegria com que eles circulam sem precisar de vigias ou bedéis, a "cara" da escola (é de adulto ou de aluno?). Quando fui visitar a escola dos meus filhos, uma coisa que me chamou a atenção, logo de cara, foi como havia grupos de alunos por toda parte. No páteo, na quadra, no parquinho, sala de aula, e alunos indo de um lado para outro, seguros, confiantes. Foi um dos primeiros comentários que fiz: esta escola tem um espaço legal e os alunos usam este espaço. Mas há escolas que vão além nessa ocupação. Os alunos passam a ser parte ativa na organização e manutenção da instituição. Cuidam da horta, da composteira, desenvolvem ações educativas - ex. antibullying, fazem assembléias onde discutem não apenas questões da sala de aula, como administrativas como por exemplo, restrições ao empréstimo de livros ou o alto preço dos lanches da cantina. Nesses locais eles se apoderam do espaço e tornam-se parte fundamental para que tudo funcione. E funciona bem melhor! Bjs!
Maria Tereza disse…
Olá, acho que é aprimeira vez que comento aqui...
Esta escola "fria" que vc descreveu faz parte do ensino tradicional. A opção contrária que "pertenceria" á vc, seria a escola com ensino construtivista, baseado em Jean Piaget. Minha minha estudo numa escola muito bacana em Curitiba. Aqui temos 3 ou 4 deste estilo. A referência brasileira neste tipo de escola é a Escola da Vil em SP e escola da Ponte em Lisboa. Procure na sua cidade se tem alguma que se encaixa, tenho certeza que vai adorar.
beijos
Tais disse…
Oi Maria Tereza, estas escolas que você cita, são mesmo bem acolhedoras. Na Escola da Ponte, o aluno participa tanto que são eles que fazem o site, apresentam a escola a visitantes, e decidem quando estão prontos para serem avaliados. Mas ser construtivistas não é absolutamente necessário para se atingir estes objetivos. O construtivismo obviamente facilita este processo. Mas é possível uma favorecer a apropriação do espaço mesmo em mais cartesianas ou seguidoras de outras propostas. Curitiba realmente tem boas opções. E pelo Brasil existem escolas públicas que estão conseguindo avançar, contra tudo e contra todos. Obrigada por comentar. Bjs!
Maria Tereza disse…
Taís, acho que antes das escolas mudarem, os pais precisam mudar sua mentalidade. Aqui em ctba este tipo de escola é vista com muito preconceito ainda. A grande maioria coloca seus filhos em escolas grandes com ensino massificado. Onde o mais importante é fazer com que as crianças fiquem quietas e aguentem as cinco horas sentadas nas carteiras duras. Quanto ao ensino público, não sei. Mas o privado é também uma empresa que vai vender o produto mais comprado. Outro dia teve um temporal aqui e quem ajudou a limpar a escola, foram os alunos de 5 a 8 série. Acredito que em outras escolas as mamães teriam chiliques...
seu blog é muito bom,
beijos
Leonardo Xavier disse…
Eu fiquei interessado nesse trabalho que você disse que tem feito com a vizinha pode até fugir um pouco da temática do blog, mas daria uma matéria interessante!
Marina disse…
True! E isso tudo não tem só a ver com a organização e manitenção do espaço. Isso reflete em vários outros segmentos da educação, pode ter certeza!