A culpa é da vítima.



A culpa é da vítima.

Hoje ligo o computador para descobrir que a Uniban resolveu de uma forma emblemática a agressão à aluna do vestido curto: expulsou-a da universidade.

E assim deu seu veredicto: o culpado é a vítima.

Chamei a decisão de emblemática porque infelizmente é o retrato fiel da forma primitiva com que ainda resolvemos nossos conflitos. Precisamos achar um culpado e puni-lo. Mesmo que este seja a vítima.

É assim com crianças desaparecidas: "Os pais não cuidaram como deviam". Com esposas espancadas: "Ela provocou". Com vítimas de assalto: "Ah, mas quem mandou andar com o vidro do carro aberto". Com vítimas de clonagem de cartões: "O senhor não cuidou direito da sua senha".

Culpar a vítima não é exclusividade de ninguém. Nós pais, sem querer, fazemos isso o tempo todo. Quantos de nós, ao vermos um filho voltar da escola chorando porque o amigo quebrou seu brinquedo, exclamamos acusadores: "Quem mandou levar o brinquedo à escola!". Ou quando o filho apanha: "Você deixou ele te bater?". Ou, quando ele esquece um objeto e alguém pega: "Quem mandou ser esquecido?".

Nessas horas, esquecemos de proporcionar o conforto que toda vítima necessita para se recompor e reagir. Disparamos logo a sentença: "a culpa é sua" e pioramos sua dor.

Fazemos isso porque foi assim que aprendemos. Foi assim que sempre agiram conosco. Não há má intenção. Apenas uma inabilidade herdada e nunca refletida. Mas, esse comportamento vindo de uma reitoria de uma universidade é inaceitável.

Educadores estudam e são treinados para EDUCAR. Inclusive através dos conflitos. E não, para resolvê-los de forma primitiva e automática, como fazem os leigos. Os alunos podem achar que a moça "provocou". A mídia pode fotografar e exibir com orgulho o tal vestido curto. Mas, educadores, da mais alta patente, deveriam saber separar o joio do trigo. Ao invés de usarem o caso como oportunidade de reflexão, crescimento e transformação, preferem punir logo a vítima e assim resolvê-lo rapidamente. Com isso, dão razão aos agressores: "Acabamos com a puta da universidade!"

Um caso lamentável, em todos os aspectos. Onde podemos apontar inúmeros culpados. Menos a vítima.



P.S: A Ceila, do Desabafo de Mãe está promovendo uma discussão sobre o papel dos pais neste triste caso. Para participar clique aqui.

Comentários

Paloma Varón disse…
Absurdo total, né? Mas legal vc fazer a reflexão de que nós, pais, sem pensar, também culpamos as vítimas. Só que, neste caso, é esdrúxulo, ultrapassou o âmbito privado. a Justiça tem que agir e os verdadeiros culpados devem ser punidos. O falso moralismo do brasileiro é irritante. E São Paulo (incluindo o ABC), por mais que se ache cosmopolita, é provinciana de dar dó (prontofalei).
Mas o que dizer, né, se até hoje os "médicos" da USP que mataram o estudante coreano na piscina da Atlética ainda não foram presos - e devem estar clinicando por aí.
Unknown disse…
Não li seu texto todo, mas só para dizer que quando vi a noticia e os videos, fiquei muito passada e pensei em te mandar...
Bjoks
Paula
Tais Vinha disse…
Oi Paloma, você viu os vídeos do caso no Youtube?

Acho difícil apontar os culpados. É tão impressionante. São centenas de pessoas agredindo a moça. Assustador. Um verdadeiro circo romano. A maior parte, eu acusaria apenas de omissão. Mas quando pensamos em psicologia das massas dá para entender (e lamentar) porque tantas pessoas presentes no episódio estejam dando risada do ocorrido. O povão segue o líder da boiada.

Mas a reitoria da Uniban concluir o linchamento da moça é caso de polícia. Que eles tracem novas regras e normas de conduta a partir do caso. Mas punir a vítima era o que menos se esperava de "ilustres" reitores. Patente alta, definitivamente, não significa autoridade moral.

Bjs!
Patricia disse…
Hoje um vestido curto. Amanhã um penteado fora do padrão. Ou uma opção sexual. Ou política. Neo nazismo? Volta à idade média? Santa inquisição?
E a forma que a faculdade resolveu a coisa? Revoltante.
Triste demais. Isso sim.
Anônimo disse…
Inacreditável o papel ridículo, covarde e sexista da UNIBAN. Pecaram duas vezes e uma pior que a outra.

Caliê
Cynthia Santos disse…
Nossa, eu cresci ouvindo essas frases feitas... quando pequena, me perguntava porque tinha que ser assim. Quando mais velha, decidi que não criaria meu filho desse jeito. Quanto à Uniban e cia, tenho a nítida impressão que alguém resolveu dar um fim no marasmo que se encontrava a faculdade e pegou a moça pra Cristo. Incitou, incitou, até que outros entediados resolveram se juntar, a turba aumentou e virou essa situação lamentável que presenciamos. Agora, filho meu, se estudasse lá, independente de ter participado ou não da confusão, ia mudar de faculdade. Se algum pai ainda se preocupa com a educação que o filho recebe (independente da idade - como aceitar isso acontecendo num local onde, até onde se sabe, só estudam "adultos"?), tem que tomar providências. Independente do desfecho, essa faculdade não é lugar pra filho meu estudar, não.
Tais Vinha disse…
Cynthia, com certeza, se tem uma universidade pra se passar longe, é a Uniban. Vc tá coberta de razão. Tão chamando de Taliban. Nada mais apropriado. Se eles argumentam que a garota é culpada por "...flagrante desrespeito aos princípios éticos da dignidade acadêmica e à moralidade", o que dizer de um bando de linchadores que atacam e humilham um ser humano, seja ele qual for, em pleno ambiente acadêmico? Nenhum argumento justifica a agressão. Ponto.

Patrícia e Caliê vocês estão certas. O caso faz pensar que estamos andando pra trás. E a Universidade foi de uma burrice exemplar. Não só foi inábil, sexista e retrógrada, como ampliou o caso para uma esfera muito além do que eles supunham. Agora é tentar reverter e abafar. Mas o estrago está feito.

Obrigada por seus comentários.

Bjs!
Tais Vinha disse…
P.S.: Cynthia, eu me flagro muitas vezes culpando minhas pequenas vítimas (ou à mim própria!). Vou levar algumas encarnações pra perder este triste hábito. Mas só de ganhar consciência dele, acho que já é um avanço. Bjs!
Anônimo disse…
Tais, outro aspecto para pensar sobre o caso. Comentários sobre a reportagem da revista Época de um dos leitores: só aconteceu isso com a moça porque ela não está nos padrões de beleza da sociedade - se fosse uma "patricinha" de micro saia, bem-nascida, corpo esbelto, muito difícil que ocorrese tal manifestação animalesca.

Lala.
Vanessa Anacleto disse…
Taís, fiquei impressionada com este caso em todos os seus aspectos. Do comportamento dos alunos à reação da Universidade. Parece um livro de Kafka, sem a beleza da sua prosa.

Abraço
Olá Taís.
Isso tudo que está acontecendo é tão surreal, que fica difícil imaginar que ocorreu de verdade. A reação dos alunos da universidade não é tão inesperada, apesar de ser repugnante, mas a realidade é que as massas adoram um barraco, ontem mesmo estava no metrô quando iniciou-se uma discussão entre duas mulheres que estavam sentadas nos assentos reservados, pelo que entendi uma delas estava usufruindo do direito de sentar-se ali e parece que reclamou com a outra por ser mais nova e estar sentada ali, começaram uma discussão tão inútil que tenho preguiça de reproduzir, mas chegou uma hora a mais jovem perguntou se a senhora havia tido uma boa noite de sexo, foi o que bastou para praticamente 80% das pessoas do vagão começarem uma verdadeira manifestação de apoio à mais nova das senhoras.
Já a atuação da Universidade, quanta bizarrice.....quem é que cuida da imagem da universidade? Manda embora......Sim porque não dá pra pedir para pensarem no lado da aluna, mas pensem pelo menos em si próprios. Deram um tiro no próprio pé. Seria hilário se não fosse triste de tão vergonhoso.