Faltam culhões



Faltam culhões

Aurora, a bionda, é uma calabresa baixinha, de pele bronzeada que contrasta com o forte descolorido dos cabelos. Adora usar vestidos curtos, saias rendadas e sapatos de salto bem alto, que a fazem caminhar com uma certa dificuldade pelas ruas de pedra do centro histórico de Spoleto, na Itália central.

É minha vizinha de porta e toda as vezes que nos encontramos, deixa claro como sente falta do sul do país. É raivosamente infeliz aqui. Não gosta do povo que acha frio e esnobe, e diz isso empinando o nariz e alisando-o de baixo para cima com o indicador. Também não gosta do pão, do clima e sente falta dos peixes comprados diretamente dos pescadores que aportam nas praias de sua Catanzaro.

Convidou-me para um café. Mostrou-me fotos da família e do marido falecido há seis anos. Era um homem belo. Acende um cigarro para contar que foi um câncer de pulmão que o levou tão cedo. Depois dele, nunca mais teve outro homem: “Sou fiel!”. 

Com a morte do pai, os filhos a trouxeram para perto. Alugaram um apartamento em Spoleto onde ela vive na companhia do filho solteiro de 28 anos. Sente-se prisioneira nessa cidade de muros e palácios, mas não volta pra Calábria porque não pode abandonar o caçula. 

Fomos juntas à piscina municipal. O dia seguia preguiçoso e quente, quando, no guarda-sol ao lado, instala-se um homem bonitão, ainda jovem, já de cabelos grisalhos.

Aurora me cutuca enquanto faz um gesto sutil na direção do nosso vizinho: “Não gosto dos homens daqui. Não são viris. No Sul, os homens são viris. Capisce viris? Eles gostam das mulheres.” E faz um gesto com os braços que interpretei como sendo “os calabreses tem a maior pegada”. 

Aurora continua: “Os homens no Sul são gentis, nos protegem. Quando você chega na estação com a mala, nem precisa pedir e eles vem correndo te ajudar a descer do trem e carregá-la." E fico imaginando quem não ajudaria aquela figura pequenina, desequilibrada nos saltos, carregando uma bruta mala. Aurora continua: “Aqui, nem pensar! Se bobear, te empurram pra você sair da frente. Não, não…não gosto dos homens daqui. No sul eles são mais masculinos, são mais…homens!”.

Aurora me pede para descrever os homens no Brasil. Depois de conduzir a conversa e se certificar que também temos nossa cota de homens gentis e viris, ela faz um pequeno sinal por baixo dos óculos escuros para eu olhar para o nosso vizinho e sussurra: ”Olha os culhões.”

Eu discretamente passo um scan nos países baixos do rapaz. Antes que eu pudesse dar qualquer opinão, Aurora me cala com sua risada e ares de especialista: “Os homens daqui não tem culhões!”. E faz um gesto no ar como segurasse uma bola de tênis com a palma da mão virada pra cima. “Capisce culhões?”

Capisco, ô se capisco. E capisco que tenho que ir logo conhecer esse tal de Sul.



Comentários

Luis disse…
Ai, Tais, quando vai editar um livro de contos?
Luís Carlos dos Santos disse…
Tais que maravilha és tu. Escreves muito bem. Quando voltares manda-me uma cópia de seus contos. Tu tens o dom...
Tais disse…
Em breve...em breve! Grazie!
Tais disse…
Acho que vou pedir pra um certo Dr. ilustrá-los. Tb sou fã dele!
hilda disse…
Ahahah! Ótimo Taís! Estive junto com vc na cena! Perfeita.
silkelita disse…
Vou junto pro Sul!! 😁