Linda





Ela era feia. 

Tinha um rosto judiado e pernas curtas e finas que pareciam mal encaixadas sob a barriga larga. O sorriso exibia dentes escurecidos, talvez por café ou cigarro. O cabelo preso atrás mostrava a raiz pedindo tinta. A pele exibia vincos do tempo e da vida.

Conversamos rapidamente no intervalo de um curso de pães caseiros.

Me contou que fazia o curso para começar a vender pães e aumentar a renda. Disse animada que fazia de tudo para viver. Artesanato com bisqui, lembrancinha para batizados e casamentos, arte em feltro, bijuteria e até unha e cabelo no pequeno salão de beleza montado na garagem de casa. Contou que também costurava roupinhas de boneca e nessa hora seus olhos brilharam…adorava recuperar as bonecas que as amigas e vizinhas lhe traziam. Dava banho, passava condicionador no cabelo, maquiava, punha roupa nova, sapatinho, tirava manchas de caneta. Sua última restauração foi uma Dorminhoca linda, que agora fica em cima de sua cama e ninguém pode mexer. Nem a neta. E essa é a única coisa que a vó proíbe a neta de fazer.

Disse que não tinha medo de trabalhar e que nunca recusou uma encomenda. “O que me pedem pra fazer, eu faço. Se não sei, aprendo, viro noite, mas entrego”.

Para dar conta de tudo, explicou que seu dia começava cedo e acabava tarde, porque ainda cuidava do pai idoso.

De repente, ela abriu um sorrisão: “Minha única pausa é para entrar no Face para namorar.”

Ela explicou que tinha muitos namorados, todos estrangeiros, da Índia, da Coreia, da Rússia, da Irlanda. Eles se falavam sempre por mensagens. 

Perguntei sobre a diferença de língua e ela foi categórica: “Aviso logo de cara que ‘no ispique inglis…ispique português’. Se quiserem falar comigo eles tem que se virar. Então eles usam o Google Tradutor e copiam e colam tudo…menina, é um rolo, mas nenhum até hoje desistiu.” E o sorriso virou uma risada.

Disse que já teve namorado da gringa que quis vir buscá-la, que tinha barco, casa na praia, mas ela foi enfática: “Nem pensar!” Explicou que queria namorar só pelo Face. Seus olhos se encheram de lágrimas para dizer que já sofreu muito e que não quer mais homem real na sua vida.

Contou que venceu um câncer, que lhe deixou como sequela uma hérnia enorme na barriga, que nenhum médico quer operar. E que esteve sozinha durante todo o tratamento, porque o marido a abandonou e a irmã achava que ela estava de frescura para chamar atenção.

Nessa hora as lágrimas escorreram “Menina, você acha que alguém faz frescura com uma doença dessas?!” 

Continuou dizendo que isso não a derrotou. Encarou a luta, ia de ônibus fazer quimio, buscava remédio no postinho e mesmo com muito enjoo não faltava aos retornos. Hoje estava ali, cheia de energia e de namorados, desejando para todos apenas coisas boas. “Eu entro no Face para alegrar as pessoas. Coloco uma flor, uma frase que acho bonita, um desenho, um coração. Esse mundo tem coisa ruim demais, então, quero distribuir só bons pensamentos. E as pessoas gostam. Gente que eu nem conheço me escreve agradecendo e conta que estava tendo um dia péssimo e depois de ver o que postei, se alegrou.”

Seguiu me contando episódios engraçados, como a fila que fazia para bater papo quando ela se conectava. E da confusão com o tanto de janelas de chat abertas. Às vezes confundia as repostas e a conversa de um ia parar na janela do outro. 

Demos muita risada e logo o professor nos chamou para ver os pães que saiam do forno. 

O curso acabou e nunca mais a vi. Esqueci seu nome e dela tenho apenas uma lembrança.

Ela era linda.


Comentários

Natalie disse…
Taís, apenas que: você é linda! <3
Flávia Tunes disse…
Concordo com a Natalie. Nunca comentei, aqui, mas leio com tanto prazer e admiração!
Isabela Martinez disse…
Maravilhoso! Já virei fã do blog :)