Pais dão limites demais e respeitam pouco
São Paulo, quinta-feira, 05 de dezembro de 2002
s.o.s. família rosely sayão
Pais dão limites demais e respeitam pouco
Discutir a educação é sempre muito estimulante, já que é principalmente por ela que preparamos o futuro. Mas, vira e mexe, volta aquela velha história de que nossas crianças e jovens não têm limites, e parece que esse é nosso maior -se não único- problema na educação. Ora, se faz tempo que ouvimos essa frase e as coisas continuam na mesma, é sinal de que precisamos problematizar a questão e olhar de uma outra ótica. Afinal, qual educador -pai ou professor- não quer praticar uma educação que dê melhores frutos? Todos querem e, se dar limites fosse algo simples, não teríamos tantos problemas.
Importante é lembrar que, para impor limites, é preciso exercer autoridade. Desde o início do mundo moderno, vivemos uma crise de autoridade, e não foi a escola -muito menos a família- que a originou. Ao contrário: pais e professores arcam com o fato. Assumir a autoridade sendo mãe, pai ou professor, portanto, não tem sido nada fácil. Mas é possível.
Colocada essa questão, podemos começar a pensar os limites de outra forma. Será que nossas crianças não têm limites em demasia, ao contrário do chavão que vem sendo exaustivamente repetido? Vejamos as crianças com menos de sete anos, que vivem a primeira parte da infância. Nessa idade, tudo o que a criança precisaria é de tempo, espaço e liberdade para construir sua identidade, reconhecer-se e aprender a respeitar-se, conviver com outras crianças com respeito e aprender a proteger-se do meio, a cuidar-se. E o que temos oferecido a elas? Limites, limites e mais limites.
Elas não têm espaço para explorar o mundo, o tempo é tomado por atividades programadas pelos adultos, elas nem sequer têm a liberdade de fazer do que gostam pelo tempo que querem. Não conseguem ficar quietas e sozinhas, brincando só com o pensamento e a imaginação. Sempre há um adulto mediando a relação da criança com o meio, com suas tentativas -muitas vezes desastradas- de alcançar a autonomia. Assim, é compreensível que ela reaja negativamente quando se defronta com um limite vital, imposto por pais ou professores. Afinal, não respeitamos essa etapa da infância, em que o mais importante na vida é brincar, mas queremos que a criança respeite os limites da vida mesmo assim. Mas será possível que seja diferente já que essa é a nossa vida? É possível e talvez seja da escola de educação infantil a maior responsabilidade.
Como se estruturou essa escola? Da mesma maneira que a escola de ensino fundamental: em turmas de mesma idade, com organização seriada -maternal, jardim etc.-, com atividades programadas o tempo todo. O que varia de escola para escola são as brincadeiras, a forma de os professores se relacionarem com as crianças e colocarem os limites, por exemplo. Mas crianças de menos de sete anos precisam de uma vida bem diferente.
Há uma escola aqui em São Paulo, a Tearte, dirigida por uma grande educadora -a Thereza Pagani, chamada de "Therezita" ou de "Tê" pelas crianças- que se propõe a respeitar a criança dessa idade e permitir que ela se organize do seu próprio jeito, sem impor limites desnecessários. Dessa maneira, os limites inevitáveis são aceitos mais facilmente.
As crianças, de zero a sete, brincam à vontade num espaço livre repleto de estímulos e riscos também, é claro. Não são separadas por idade, não há classes, não há atividade obrigatória, muito menos rotina estabelecida com rigidez. Os professores -sempre há pelo menos um homem na função- acompanham as conquistas que a criança faz nesse espaço e a convidam para atividades. Resultado? Crianças tranquilas -com vivacidade, mas sem excitação-, que convivem em harmonia, se respeitam e respeitam os outros e o ambiente.
"Therezita", aos 71 anos, dirige essa escola há 30. É respeitada porque impõe os limites necessários. Não é maravilhoso saber que essa prática educativa existe, é possível e dá certo? A criança que passa por um processo desses na primeira infância recebe uma formação que irá sustentá-la pelo resto da vida porque teve o que precisava na hora certa.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e- mail: roselys@uol.com.br
s.o.s. família rosely sayão
Pais dão limites demais e respeitam pouco
Discutir a educação é sempre muito estimulante, já que é principalmente por ela que preparamos o futuro. Mas, vira e mexe, volta aquela velha história de que nossas crianças e jovens não têm limites, e parece que esse é nosso maior -se não único- problema na educação. Ora, se faz tempo que ouvimos essa frase e as coisas continuam na mesma, é sinal de que precisamos problematizar a questão e olhar de uma outra ótica. Afinal, qual educador -pai ou professor- não quer praticar uma educação que dê melhores frutos? Todos querem e, se dar limites fosse algo simples, não teríamos tantos problemas.
Importante é lembrar que, para impor limites, é preciso exercer autoridade. Desde o início do mundo moderno, vivemos uma crise de autoridade, e não foi a escola -muito menos a família- que a originou. Ao contrário: pais e professores arcam com o fato. Assumir a autoridade sendo mãe, pai ou professor, portanto, não tem sido nada fácil. Mas é possível.
Colocada essa questão, podemos começar a pensar os limites de outra forma. Será que nossas crianças não têm limites em demasia, ao contrário do chavão que vem sendo exaustivamente repetido? Vejamos as crianças com menos de sete anos, que vivem a primeira parte da infância. Nessa idade, tudo o que a criança precisaria é de tempo, espaço e liberdade para construir sua identidade, reconhecer-se e aprender a respeitar-se, conviver com outras crianças com respeito e aprender a proteger-se do meio, a cuidar-se. E o que temos oferecido a elas? Limites, limites e mais limites.
Elas não têm espaço para explorar o mundo, o tempo é tomado por atividades programadas pelos adultos, elas nem sequer têm a liberdade de fazer do que gostam pelo tempo que querem. Não conseguem ficar quietas e sozinhas, brincando só com o pensamento e a imaginação. Sempre há um adulto mediando a relação da criança com o meio, com suas tentativas -muitas vezes desastradas- de alcançar a autonomia. Assim, é compreensível que ela reaja negativamente quando se defronta com um limite vital, imposto por pais ou professores. Afinal, não respeitamos essa etapa da infância, em que o mais importante na vida é brincar, mas queremos que a criança respeite os limites da vida mesmo assim. Mas será possível que seja diferente já que essa é a nossa vida? É possível e talvez seja da escola de educação infantil a maior responsabilidade.
Como se estruturou essa escola? Da mesma maneira que a escola de ensino fundamental: em turmas de mesma idade, com organização seriada -maternal, jardim etc.-, com atividades programadas o tempo todo. O que varia de escola para escola são as brincadeiras, a forma de os professores se relacionarem com as crianças e colocarem os limites, por exemplo. Mas crianças de menos de sete anos precisam de uma vida bem diferente.
Há uma escola aqui em São Paulo, a Tearte, dirigida por uma grande educadora -a Thereza Pagani, chamada de "Therezita" ou de "Tê" pelas crianças- que se propõe a respeitar a criança dessa idade e permitir que ela se organize do seu próprio jeito, sem impor limites desnecessários. Dessa maneira, os limites inevitáveis são aceitos mais facilmente.
As crianças, de zero a sete, brincam à vontade num espaço livre repleto de estímulos e riscos também, é claro. Não são separadas por idade, não há classes, não há atividade obrigatória, muito menos rotina estabelecida com rigidez. Os professores -sempre há pelo menos um homem na função- acompanham as conquistas que a criança faz nesse espaço e a convidam para atividades. Resultado? Crianças tranquilas -com vivacidade, mas sem excitação-, que convivem em harmonia, se respeitam e respeitam os outros e o ambiente.
"Therezita", aos 71 anos, dirige essa escola há 30. É respeitada porque impõe os limites necessários. Não é maravilhoso saber que essa prática educativa existe, é possível e dá certo? A criança que passa por um processo desses na primeira infância recebe uma formação que irá sustentá-la pelo resto da vida porque teve o que precisava na hora certa.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e- mail: roselys@uol.com.br
Comentários
amei seu blog. Tem a sua cara.
bjos e parabéns