Projetos - Agua, de novo?


Água, de novo?


Hoje em dia, a maioria das escolas caminha para a educação por projetos. Nada contra. Muito pelo contrário. A dinâmica dos projetos é muito mais rica e significante que o aprendizado decorado e massificante no formato “lousa-livro-prova”. O problema aparece quando observamos a forma como os projetos são escolhidos e montados. De uma escola para outra, os temas variam muito pouco. A impressão que temos é que há um “banco de projetos” pobre e repetitivo de onde os professores tiram suas propostas. É sempre água, solo, “o que é o que é”, reciclagem de lixo, “minha história – minha vida” e outros do gênero. Temas excelentes, mas quando usados à exaustão acabam tornando-se cansativos e repetitivos. A massificação dos temas de projetos afasta-os da proposta inicial que é proporcionar ensino temático personalizado aos interesses e necessidades dos alunos de cada turma. Os defensores do “banco de projetos” podem dizer que, apesar dos temas serem quase sempre os mesmos, a própria dinâmica dos trabalhos os tornam únicos. Concordo, mas poderia ser bem mais do que isso, não?

Vejamos o caso de um garotinho que já estudou em 3 escolas. Nestas mudanças, fez e refez o projeto “Água” 3 vezes! Duas vezes os projetos “Reciclagem de lixo” e “sistema solar”. Já virou PhD na sua vida, pois a remontará pela terceira vez no projeto “Minha história”. E ontem, ele chegou da escola com a seguinte frase: “Vou estudar o Portinari outra vez!” De novo, cada escola tem sua abordagem, sua forma de trabalhar, mas falta criatividade na escolha dos temas e isso é mais do que evidente.

A solução para o problema? Professores, abandonem este “banco de projetos” repetitivo e inibidor ao qual recorrem. Entendo que é muito mais fácil se trabalhar com um projeto já montado, mas, aqui entre nós, é tão empobrecedor! Sem contar que a verticalização da escolha do tema, isto é, a imposição do tema vinda do professor ou coordenador, contraria todos os princípios de autonomia, criatividade e pró-atividade que vocês tentam nos vender nas reuniões de pais. Comecem dando mais ouvidos a sua turma. As crianças são os seres mais criativos e interessantes que existem. Ouçam suas histórias de super-heróis, seu fascínio por gigantes e monstros marinhos, seu interesse por viagens intergalácticas, sua curiosidade sobre o funcionamento das coisas, seu instinto natural por misturar e fazer “experiências” com líquidos e alimentos.

O universo infantil nos apresenta uma quantidade ilimitada de temas a serem trabalhados. Temas inéditos, curiosos, divertidos e criativos. Que tal uma fábrica de sorvetes ou de produtos de beleza, como sabonetes e shampoos? As crianças podem pesquisar cores, sabores e consistências variadas, escrever receitas, montar o cardápio (ou catálogo), calcular preços e quantidades, pesquisar os cheiros e sabores mais procurados, criar rótulos, embalagens e anúncios, fazer divertidas sessões de degustação e depois vender o resultado final em uma mini sorveteria ou mini lojinha montada por eles mesmos. O dinheiro arrecadado pode ser revertido para eles mesmos ou para um projeto social. Vejam quantos eixos a serem trabalhados! E ainda estimularíamos o empreendedorismo e a solidariedade de forma saudável e divertida.

Há ainda a produção de vídeos (algo hoje viável com pouquíssimos recursos), a montagem de programinhas de rádio (imaginem a riqueza de repertórios a serem pesquisados!), os gibis, as feirinhas, os jogos simbólicos fora da sala de aula, os castelos, a caçada aos ossos de dinossauros. Os temas não faltam. O que falta é imaginação.

Comentários

Telma disse…
De maneira clara e bem humorada vc revela o "bem intencionado" trabalho pedagógico em que a pobreza criativa e metodológica é predominante. O garotinho que passou por três escolas vive cotidianamente a repetição, ou o ensino "requentado". É um ano de experiência e tantos outros de repetição...
Só não afirmo que tal fato ocorre na maioria das escolas porque, em muitas, nem mesmo pseudo-projetos são realizados...
Essa pedagogia do senso comum fica evidente ao verificarmos os resultados do Brasil quando avaliado por exames dentro (Inaf, Aneb, Enem) e fora do país (Banco Mundial, Unesco, Teste de Pisa). Estamos sempre nos penúltimos lugares...
Esses resultados revelam um sistema educacional que apresenta deficiências, de modo geral, em todas as etapas do ensino, em todo o país e tanto nas escolas públicas como nas particulares.
Seria interessante se os professores pudessem refletir sobre as questões e possibilidades que vc paresenta.
Aguardo os novos capítulos...
Anônimo disse…
Uai, o patroa, queria ter esse tempo de escrever tanto viu...falo nada, vc precisa de mais um bambino. Mas é a Telma ou a Taís que esta escrevendo isso, agora fiquei " cofuso " com essa expansão da teoria construtivista, é uma mistura de Levi-Strauss com Dr. Drauzio Careca (nada contra os carecas)
Anônimo disse…
E o projeto do "feijão no algodão"? Tem coisa mais surrada? Parece que até aquele astronauta brasileiro levou um desses para por em órbita!
Anônimo disse…
nossa! "o feijão no algodão" disse tudo.
Anônimo disse…
Uau. Preciso sentar e conversar contigo. Não sou professora, mas é ESSA a educação que quero para as minhas filhas (e não tô falando só deste artigo aqui, estou falando de todos os artigos sobre educação que você escreveu aqui).

Eu tinha isso na ex-escola delas (que ficou lá no Rio, e dá saudades). Lá não tinha projeto definido. A partir das conversas na rodinha, as professoras definiam o que seria "estudado" durante aquele período. As meninas estudaram castelos, dinossauros, animais marinhos... Tudo trabalhado a partir dos papos de rodinha. Sensacional.

E gosto da escola atual, mas concordo que esses projetos estabelecidos pelos professores sem que as crianças demonstrem interesse antes não têm um rendimento tão bom.
Silvia disse…
Hoje, depois de ler um comentário teu falando sobre textos antigos, resolvi voltar no tempo. E, veja, continua tudo igual. E eu estava pensando nisso outro dia. Não vejo grandes vontades de mudar. Não que o sistema seja ruim, mas poderia ser melhor.

E também vejo que eu não fiz nada para cobrar uma mudança, uma postura mais moderna, mais antenada com o construtivismo e os dias de hoje...