"Mãe, briguei na escola"
A mãe olha para ele com atenção. "O que aconteceu?"
"Eu estava em cima da árvore. Um menino me provocou, disse que eu subia na árvore feito um elefante e eu respondi que ele nem conseguia subir. Eu desci da árvore e ele me deu um chute no peito, com a chuteira de trava."
O choro volta forte. Ele ergue a camiseta para mostrar as marcas que haviam ficado na pele.
"Nossa! E o que você fez? Chamou um adulto?", pergunta a mãe, condoída.
"Não. Dei um murro na cara dele e saiu sangue do nariz dele...mas, mãe, eu me defendi, foi ele que veio para cima de mim!"
A mãe não sabe o que dizer. É contra a violência, mas o menino bateu nele e pelas marcas, bateu forte. Como ensinar a não violência e ao mesmo tempo motivá-lo a se defender?
"Filho, não tinha um adulto para você chamar?"
"Nem deu tempo, quando ele veio me bater eu tive que me defender, mãe. Dei o soco e ele parou. Ele ficou o mó assustado quando viu o sangue."
"Ele chorou?"
"Até eu chorei, mãe."
"Algum adulto apareceu para apartar a briga?"
"Apareceu, mas bem na hora me chamaram para eu ir embora. Acho que vão mandar a gente pra coordenação amanhã."
Confusa, a mãe resolve fazer o que todas as mães da humanidade faziam até serem inventados os livros de auto-ajuda - seguir os instintos. E nesses assuntos de chute na cria os instintos são praticamente inconfessáveis. Ela abraça o menino enquanto diz: "Filho, que chato! Vem cá vem, eu não queria que você brigasse, mas você fez bem em se defender. Não podia deixar ele continuar batendo em você."
O menino relaxa e diz valente: "Não, mesmo! Esse aí não vai mais vai me bater."
A mãe engata um discurso padrão sobre ele não aceitar mais provocações, evitar briga, não deixar as coisas chegarem a este ponto, mas no fundo, estava satisfeita, bem satisfeita, por ele ter se virado. Agora era aguardar. Um nariz sangrando por um murro era prenúncio de B.O. Se a escola não a chamasse, provavelmente os pais do menino a procurariam.
Mãe de agressor é a criatura mais crucificada da sociedade e dificilmente ela sairia dessa sem um puxão de orelha.
Enxuga os olhos do filho e toma uma decisão. Por hora, não procuraria a escola e nem ninguém. A briga foi deles e eles aparentemente resolveram. Não da melhor maneira, mas da maneira que conseguiram. Aguardaria os próximos capítulos.
No dia seguinte, ela espera ansiosa a volta do menino, que chega excitado: "Mãe, a Kátia (coordenadora) chamou nós dois. Eu falei pra ela: 'eu só fiz legítima defesa...ele me bateu, eu me defendi. Foi legítima defesa!' Ela viu que eu estava certo e deu advertência só para o outro menino. Ele nem abriu a boca. Ficou olhando para baixo, emburrado."
A mãe se perguntou onde o menino aprendeu a falar assim. Ficou imaginando a cara da coordenadora, diante do encontro de Dom Casmurro com o Law and Order.
Resolveu relaxar. Se alguém viesse conversar já saberia o que dizer. Foi legítima defesa. E mantenha seu filho longe do meu.
Caso encerrado.
Comentários
tem horas que as mães precisam deixar os meninos se resolverem! fiquei feliz por ele ter conseguido se defender... é mesmo um mistério: como criar meninos numa cultura de paz sem que eles virem saco de pancada ou moscas mortas? até que ponto a agressividade que temos em nós pode ser dosada? é duro ser a mãe do agressor e é duro ser a mãe do agredido... estou feliz enquanto meu bebê tem apenas dois anos e minha filha é super neutra - não bate, nem apanha - não pirraça, nem é pirraçada (meninas são mais sutis, não?)
enfim: depois deste episódio estpou certa que vc precisa ver "o deus da carnificina"! são dois casais que resolvem mediar um conflito entre os filhos... veja como eles se saem!
Beijoca
Adoro essa molecada esperta.
Talvez se a criança tivesse chamado um adulto p/ intervir ou tivesse se recusado a agredir fisicamente o outro, este outro não teria entendido a mensagem tão bem.
cheguei aqui atraves de uma grande amiga, a Luma do blog Luz de Luma.
Aconteceu algo semelhante com meu filho esta semana e a diretora interferiu contra o meu filho, sem saber que o outro garoto queria o tênis dele.
Foi se defender também.
Infelizmente não queria vê-lo envolvido em confusão, mas permitir que os outros façam dele gato e sapato, não dá.
um abraço.
Derrepente legitima defesa! Adorei!
(e provavelmente vou ser odiada pelas professoras)