tag:blogger.com,1999:blog-73234030947203918542024-03-12T23:29:19.373-03:00Tais Vinha - OmbudsmãeEscritoraTais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.comBlogger304125tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-39980313433675960562020-06-13T04:32:00.000-03:002020-06-13T04:32:27.404-03:00Perola e Janis<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-UP-NWbcekjk/XuR-zU5jmgI/AAAAAAAAVZ0/-yGimJMepCcaWzorGjtt1hXB9xORQ4YxgCLcBGAsYHQ/s1600/frases-joplin_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="570" data-original-width="760" height="300" src="https://1.bp.blogspot.com/-UP-NWbcekjk/XuR-zU5jmgI/AAAAAAAAVZ0/-yGimJMepCcaWzorGjtt1hXB9xORQ4YxgCLcBGAsYHQ/s400/frases-joplin_0.jpg" width="400" /></a></div>
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<b>Perola e Janis</b><br />
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Perola me liga pra saber como estamos indo de quarentena. Ela tinha acabado de chegar do Quênia, país quente para onde escapa todos os anos, assim que chega o inverno na Europa. A conheci no bar onde ela vai todos os finais de tarde tomar um aperitivo e, logo de cara, ela se tornou uma dessas mulheres que me fascinam.<br />
<br />
Perola nasceu em Roma e teve uma adolescência como a de todas as meninas da época. Até que um dia, como ela mesma conta, escutou Janis Joplin e sua vida nunca mais foi a mesma (cada um tem a sua Rita Lee). Mudou tudo. O modo de pensar, vestir, os planos. Virou hippie, casou-se e montou com o marido um restaurante macrô no bairro do Trastevere, na Roma dos anos 60.<br />
<br />
A relação era aberta. Tão aberta que, um dia, ela se deu conta que estava fora. No mesmo dia, empacotou o que tinha, pegou a filha e tomou o rumo de uma cidadezinha no interior da Itália, onde um amante vivia. Ficaram juntos até a morte dele, há 15 anos. Foram felizes.<br />
<br />
Ao telefone, Perola me pergunta do Brasil e eu gaguejo. Me constranjo sempre que tento explicar o que está acontecendo por aí. Solto duas ou três palavras...muitos mortos...política... Perola percebe meu constrangimento e conclui com um de seus pensamentos de quem já viu e ouviu de tudo nesta vida: "A verdade, minha cara, é que somos humanos e estamos respondendo a esta pandemia como humanos que somos...olhe pra trás, veja a história: Roma, as cruzadas, as colônias, a escravidão... veja como podemos ser cruéis. Então, quem vem com essa conversa de que vamos sair melhores dessa, pelo amor de Deus! O ser humano é ser humano e vai ser sempre assim. Um lixo! O importante é a gente se cuidar para estarmos vivas para nosso próximo aperitivo. O resto é esperança de viver num mundo irreal, que eu não tenho."<br />
<br />
Quinze dias depois, entramos na fase dois pós-confinamento e meu primeiro brinde foi com Perola. Fiz questão.<br />
<br />
<i>====<br /><br />“There isn't going to be any turning point. ... There isn't going to be any next-month-it'll-be-better, next fucking year, next fucking life. You don't have any time to wait for. You just got to look around you and say, "So this is it. This is really all there is to it. This little thing."...<br /><br />September 1969, Janis Joplin</i>Taishttp://www.blogger.com/profile/15852309751794377329noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-12674108993242084702020-04-21T11:08:00.003-03:002020-04-21T11:40:52.550-03:00Santa Rita de Sampa me salvou<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-T1uzu2Y7d3o/Xp7qTt3tajI/AAAAAAAAUf4/bAbLoyyn4vUKf1Z4fs9qKRGMBoPoFb9ywCLcBGAsYHQ/s1600/rita%2Blee.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="537" data-original-width="403" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-T1uzu2Y7d3o/Xp7qTt3tajI/AAAAAAAAUf4/bAbLoyyn4vUKf1Z4fs9qKRGMBoPoFb9ywCLcBGAsYHQ/s400/rita%2Blee.jpg" width="300" /></a></div>
<b><br /></b>
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<b>Santa Rita de Sampa me salvou</b><br />
<i>Por Taís Vinha</i><br />
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Nasci e fui criada no interior de São Paulo durante a ditadura, coração da pátria amada salve salve, paraíso do cidadão de bem. Estudei em escola estadual, cantávamos o hino vestidos em uniformes de tergal e sapato de lacinho e ia todos os sábados à evangelização espírita.<br />
<br />
Sexo era só depois do casamento e na casa com quatro meninas e um menino, isso era repetido como um mantra - "não ser fácil e esperar" era a chave para uma vida matrimonial plena e feliz. Na minha infância, a maior proximidade que tive com alguma sacanagem foi o livro "De onde vem os bebês", que mamãe nos fez ler, porque era enfermeira e tinha sua veia científica. Esse clássico da minha geração usava plantas, galinhas, cachorrinhos transando e, uau, um casal na cama coberto por um lençol, para ensinar às crianças que um esperma + um óvulo faz um bebezinho. E o assunto se encerrava aí.<br />
<br />
Uma vez ganhei de aniversário um compacto. Era meu primeiro disco fora da coleção Disquinho. No capa vinha escrito Help. Ao vê-lo, mamãe virou os olhos dizendo: "Ah, não! Aqueles rapazes gritando rééééééup eu não vou aguentar!". Mas logo respirou aliviada, "Help, vem me ajudar" era o lado B do disco "Ta-Hi", de Celly Campello e não tinha nada a ver com os tais mocinhos "estridentes" da Inglaterra que mamãe odiava e eu nem sabia quem eram.<br />
<br />
Fui matriculada em curso de prendas domésticas, datilografia, mas devo agradecer aos meus pais por nunca seguirem a recomendação das minhas tias e me colocar no balé para salvar minha feminilidade. Como saco de batata oficial da família, teria sido um vexame traumático a ser carregado pelo resto da vida.<br />
<br />
A vida seguia assim, na caixinha, até que um dia uma bomba atômica chega num comercial da Ellus que mostrava uma galera se pegando debaixo d'água ao som de "Mania de Você", de uma tal Rita Lee. Aqui faço um aparte: Santa Rita já tinha entrado na minha vida uns anos antes, quando era ainda bem novinha e tinha um problema pra pronunciar o R. Vira e mexe me pediam para cantar "Meu bom José", o primeiro grande hit da diva, principalmente na parte "casar com Déborrra ou com Sarrra, meu bom José, você podia...". Mas terminada a onda hippie gospel, voltei pra coleção Disquinho, Estúpido Cupido e alguns hits de Roberto Carlos que nos punham pra cantar no centro espírita, como Jesus Cristo e a Montanha. Rita Lee, com sua loucura mutante, não passava mais nem perto desse interior caretésimo. "Mania de você" mudou tudo. De repente, em plena ditadura, as rádios repetiam à exaustão uma música que era puro tesão, que falava em sentir água na boca quando vê o outro, de tirar a roupa e ficar banhada de suor de tanto se beijar e, no país da ordem e do progresso, no Brasil que vai pra frente, cantarolávamos que nada era melhor do que não fazer nada só pra deitar e rolar com o boy.<br />
<br />
Aquele momento não foi uma janela que se abriu para mim. Foi mesmo a porta do armário de Nárnia que me sugou e me situou num mundo de ovelhas negras que vêem disco voador e comem o fruto proibido, de mutantes seguindo seu caminho, de gente que fica de quatro no ato e se enche de amor, de mocinhas que não sabem mais se continuam uma tradição e ou se modificam uma geração, de filhas que viram caso sério e querem modificar o mundo, de pessoas que preferiam bailar na tribo do que ficar abanando bandeirinha pra ditador.<br />
<br />
Comprei todos os discos, fui a todos os shows, vi Rita tocar, dançar, pirar, beijar, voar...e quando dei por mim, tinha virado uma outra pessoa que olhava para aquele velho mundo sem saber se vai ou se fica. Fui.<br />
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Obrigada Santa Rita pela graça alcançada. A graça de rir disso tudo enquanto nos jogamos no palco da vida, mostramos a bunda e deitamos e rolamos com você. De cabelo loiro, vermelho ou grisalho - mas sempre com você. Se isso é ser muito louca, não vou me curar. Já não sou a única que encontrou a paz, mais louco é quem me diz e não é feliz...eu sou feliz.<br />
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Ave Ritinha!<br />
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.Taishttp://www.blogger.com/profile/15852309751794377329noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-709465440587860642019-09-16T06:51:00.000-03:002019-09-16T06:51:12.823-03:00Mundo cão<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-VX5SeeHQKm0/XX9ZWGlma2I/AAAAAAAAO4g/NUA_AZEqH70F9H6JpeNCBk38FD3SNd14wCLcBGAsYHQ/s1600/Schermata%2B2019-09-16%2Balle%2B11.43.34.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="607" data-original-width="545" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-VX5SeeHQKm0/XX9ZWGlma2I/AAAAAAAAO4g/NUA_AZEqH70F9H6JpeNCBk38FD3SNd14wCLcBGAsYHQ/s400/Schermata%2B2019-09-16%2Balle%2B11.43.34.png" width="358" /></a></div>
<b>Mundo cão</b><br />
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Ler notícias ainda é um prazer (ultimamente bem pouco prazeroso, confesso) que me permito todas as manhãs. Antigamente, as notícias me chegavam via folhas de jornal que eram passadas uma a uma, até as pontas dos meus dedos ficarem manchadas de tinta. Hoje, leio em formato eletrônico, não tão charmoso, mas que me permite acessar, naquela telinha tão pequena, um universo imensamente maior e mais veloz que o das grandes folhas de jornal.<br />
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Pois foi no site do The Guardian que leio duas notícias aparentemente sem conexão alguma, mas profundamente conectadas e que explicam muito do que estamos vivendo.<br />
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Uma é sobre o boom do mercado de hotéis de luxo para animais domésticos na Inglaterra. A matéria descreve quartos com vista para a piscina, poltronas na frente da lareira, refeições onde são servidas lagosta, bacalhau e caviar, cinema com mantinha, snacks e sorvete, desenhos animados na TV, máscaras faciais veganas, comida orgânica, chás descafeinados, creminhos para aliviar os efeitos de pavimentos ásperos nas patinhas e muitos, muitos outros etcs que seduzem cada vez mais os donos que buscam tratamentos diferenciados para seus pets e não oferecem nenhuma resistência na hora de pagar contas de 4 mil reais para estadias de alguns dias. <a href="http://tiny.cc/fjbtcz">http://tiny.cc/fjbtcz</a><br />
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A próxima notícia é sobre o suicídio de uma adolescente no Quênia. Sua primeira menstruação veio na sala de aula e como nem ela e nem a escola tinham um absorvente pra resolver a situação, suas roupas ficaram manchadas e o professor a chamou de suja. Envergonhadíssima, a garota preferiu morrer. A matéria passa então a descrever o imenso problema da falta de acesso à absorventes na região subsaariana que obriga as meninas a faltarem durante o período menstrual, perdendo cerca de 20% do ano letivo. <a href="http://tiny.cc/cfbtcz">http://tiny.cc/cfbtcz</a><br />
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Deixo que cada um faça suas próprias conexões sobre ambas as notícias. Tenho certeza que elas irão do "só lamento pela menina, mas que carai o dono do pet delux da Inglaterra tem a ver com a pobreza do mundo" ao "vai morar na África então sua esquerdista caviar de merda que deveria estar em Cuba ou na Venezuela". Mas como de miséria mental a gente desvia, termino o meu mimimi apenas dizendo que preferia ter lido que a garota queniana teve uma linda festa preparada por sua mãe para comemorar a chegada da sua menstruação. Com rabo de lagosta e caviar. E depois foram ao cinema assistir a um filme, com direito a mantinha, snacks e sorvete. À noite, fizeram uma máscara facial vegana porque agora ela é uma mocinha. No dia seguinte, a menina acordou com um sorriso iluminado foi pra escola feliz.<br />
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Taishttp://www.blogger.com/profile/15852309751794377329noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-81383492282821410992019-05-13T08:01:00.000-03:002019-05-13T08:01:16.120-03:00Contos de fodas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-Ei3pJnuUfaE/XNlM7FLhk8I/AAAAAAAAMZk/kSSTVyEDHWMoTuczVcVahwsENZ8gWvQIwCLcBGAs/s1600/Schermata%2B2019-05-13%2Balle%2B12.45.12.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="392" data-original-width="514" height="244" src="https://4.bp.blogspot.com/-Ei3pJnuUfaE/XNlM7FLhk8I/AAAAAAAAMZk/kSSTVyEDHWMoTuczVcVahwsENZ8gWvQIwCLcBGAs/s320/Schermata%2B2019-05-13%2Balle%2B12.45.12.png" width="320" /></a></div>
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Branca de Neve tinha um toc tão profundo, pobrezinha, que logo depois de sofrer uma tentativa de assassinato, a primeira coisa que faz é uma faxina. Pra piorar, depois de envenenada, arruma um príncipe necrófilo porque só isso explica essa tara por beijar defuntas desconhecidas que surgem no seu caminho.<br />
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Cinderela sofria abuso da madrasta, depois arruma uma fada madrinha sádica que a faz usar sapatos de vidro e a obriga a voltar pra casa à meia-noite, quando o baile estava começando a ficar bom. E, como desgraça pouca é bobagem, na balada do sapato de vidro, pega um playboyzinho que jura que se apaixonou mas no dia seguinte sequer se lembra como é o rosto dela.<br />
<br />
Ariel deixou de ser quem é e abandona os seus pra agradar macho. Fim da história.<br />
<br />
Rapunzel sofre abuso não só da bruxa, mas também do príncipe, porque o safado sabe que ela é prisioneira na torre mas, ao invés de ajudá-la a fugir, sobe lá, furunfa e vaza. Cretino.<br />
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O pai da Bela faz merda e pra se livrar entrega a filha pra um abusador, pelo qual ela se apaixona a ponto de achá-lo uma pessoa maravilhosa, apesar dele ser do tipo que aceita mocinhas como moeda de troca e as aprisiona em seu castelo.<br />
<br />
A Bela Adormecida chapou e desmaiou. Daí vem um sujeito e vrau na moça desacordada. Alguns o chamam de príncipe encantado. Eu o chamo de aluno de medicina em festa open bar.<br />
<br />
Aí tem a Anna e Elsa, de Frozen. E isso aí é uma bruta esculhambação, é o cão acabando com o sonho das princesas cor-de-rosa de encontrarem seu príncipe azul encantado e nós vamos dar jeito nisso daí, nem que seja do alto da goiabeira, taoquei?<br />
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<br />Taishttp://www.blogger.com/profile/15852309751794377329noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-30963693310052162422019-03-11T07:25:00.000-03:002019-03-11T07:43:54.712-03:00O topo da montanha<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-qacxwcYAfRM/XIY1rMGLuGI/AAAAAAAALn4/YHOOTamaTksGYptaYPGO2MDX7CREh0lPACLcBGAs/s1600/IMG_20181226_173455969-2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1200" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-qacxwcYAfRM/XIY1rMGLuGI/AAAAAAAALn4/YHOOTamaTksGYptaYPGO2MDX7CREh0lPACLcBGAs/s320/IMG_20181226_173455969-2.jpg" width="240" /></a></div>
<br />
Dario a chama para ir ao topo da montanha. Ela aceita.<br />
<br />
Na cidade nova, ela não conhecia quase ninguém e queria muito fazer amigos. Dario é casado. Se conheceram num bar. Tomaram um aperitivo e se despediram com gentilezas habituais. A mensagem com o convite veio dois dias depois. No texto, ele deixou claro que não tinha nenhum interesse nela, além de fazer uma nova amiga: “não se preocupe, você não estará em perigo”, concluiu. Ela achou graça. Dario é um viajante, uma pessoa que coleciona países e amigos de diferentes culturas. É, além de tudo, um cavalheiro. Uma das pessoas mais gentis e simpáticas que ela havia conhecido.<br />
<br />
Almoçam em um pequeno restaurante no bosque e a conversa flui sem esforço, em mais de três horas de vinho, entradinhas, pratos principais, doces e licores servidos no passo do tempo. Quando acabam, ele diz tranquilo que a levará para ver a vista mais espetacular da região. Entram no carro e sobem uma estradinha sinuosa e deserta. Chegam ao topo e, de repente, ela se vê diante de um cenário indescritível de céu azul, rochedos, oliveiras e colinas pontuadas por longínquos vilarejos de casas de pedra. Estacionam e saem para uma caminhada. É primavera e pequenas flores forram o chão. Eles se sentam na relva e Dario acende um cigarro de haxixe.<br />
<br />
Diante daquela paisagem, embalados pela brisa suave do haxixe, continuam uma conversa quase sem fim sobre a vida, política, filosofia e, principalmente, viagens, ponto em comum de suas paixões. Um vento suave sopra.<br />
<br />
O toque do celular interrompe essa pequena viagem nas alturas. Dario verifica quem está ligando e diz que não vai atender. “É minha esposa. Ela está na cidade do pai falecido, resolvendo assuntos de herança. Não quero falar com ela agora. Vai ficar me contando sobre cartório, mudança, advogado, que parente visitou, que providência tomou…”, e deixa escapar meio sem graça, “agora não dá...esses assuntos me fariam descer daqui da montanha”.<br />
<br />
Ela olha para o horizonte e deixa que o vento cubra parte do seu rosto com uma mecha de cabelo. Precisa de um pouco de introspecção para lidar com a invasão de uma súbita ternura pela esposa de Dario. Não a conhecia, mas naquele instante compreende que, por melhor que fosse a relação dos dois, aquela mulher resolvendo as inevitáveis burocracias da vida não tinha como competir com o alto da montanha. Coloca-se no lugar dela, pensa nos inúmeros telefonemas com relatos automáticos dados para o ex-marido e rende-se melancólica à impossibilidade de manter-se uma relação só de altitudes.<br />
<br />
Ao mesmo tempo, compreende Dario. Muito. Também é velho conhecido seu esse desejo de, de vez em quando, escapar das cotidianices que dominam a vida. Afasta a mecha de cabelo do rosto e quando seus olhares se cruzam, sorri meio rendida.<br />
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Ficam ali por mais um tempo e quando Dario finalmente a deixa na porta de casa, a abraça enternecido e agradece por aquele dia mágico.<br />
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Enquanto ele se afasta, ela o vê pegando o celular. Estavam de volta à planura.Taishttp://www.blogger.com/profile/15852309751794377329noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-79252370611420324482018-08-29T08:06:00.000-03:002018-08-29T08:06:28.132-03:00Churrasco à italiana<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<a href="https://2.bp.blogspot.com/-HcZw-RoocyE/W4Z71erVBdI/AAAAAAAABag/_1TwNatnwVU3Ko6M4MounfWifN9AIsCBACLcBGAs/s1600/Schermata%2B2018-08-29%2Balle%2B12.55.17.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="513" data-original-width="873" height="235" src="https://2.bp.blogspot.com/-HcZw-RoocyE/W4Z71erVBdI/AAAAAAAABag/_1TwNatnwVU3Ko6M4MounfWifN9AIsCBACLcBGAs/s400/Schermata%2B2018-08-29%2Balle%2B12.55.17.png" width="400" /></a></div>
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<b>Churrasco à italiana </b><div>
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A chuva cai torrencial. As pessoas vão chegando e sentando ao redor da mesa que ocupa a maior parte de um puxadinho na frente da piscina. </div>
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Acendem inúmeros cigarros e abrem um vinho que é servido em copos comuns e xícaras de chá. A minha está com a alça quebrada.</div>
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A conversa vai ficando animada. Não há nada pra comer.</div>
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Uma mulher faz um spinello, que é como os italianos chamam o baseado. Fuma um pouco e bota pra girar. O próximo da roda reclama que ela botou haxixe só na ponta, porque ele só fumou tabaco.</div>
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Ela manda ele se ferrar e o spinello segue girando. Tabaco ou haxixe, todo mundo fuma. Menos uma italiana querida, de uns 70 anos, que delicadamente passa o beque adiante explicando que desenvolveu uma coceira na garganta quando fuma, que a faz tossir muito. E é só quando fuma. Ela me explica que o problema é o tabaco. Se fosse erva pura não tinha problema, porque erva não lhe faz tossir. </div>
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A converse segue. Mais cigarros são acesos, mais garrafas vão sendo abertas, mais spinellos vão entrando na roda. E nada de comida.</div>
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O tempo passa e um deles pergunta o que vão comer. Começa uma discussão sobre o que comprar no supermercado pra fazer o churrasco. Fazem uma lista que inclui um reforço no vinho e algumas brejas.</div>
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Decidem que cada participante deve dar 10 euros. A mulher do spinello com haxixe supostamente só na ponta diz que dará 5 euros porque é vegana mas está numa dieta de proteína então vai comer só um pedacinho de carne. O encarregado das compras não aceita e eles começam a discutir. Ou a conversar, mas pelo jeito que gesticulam e falam alto, parece que vão se matar. Dois ou três participantes concordam em dar 20 euros e o rapaz das compras se afasta resmungando..."é sempre assim...conheço bem esse pedacinho de carne..."</div>
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Antes de sair para o supermercado, ele coloca na minha mão uma pelota de haxixe enrolada no magipack e pede pra eu tomar conta. Pensei que devo ser a mais careta da roda pra ter ficado com aquela função.</div>
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Botei o pacotinho no bolso da bermuda e mais vinho na minha caneca sem alça. </div>
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O tempo continuou frio e chuvoso. Começo a gelar. A senhorinha alérgica a spinellos com tabaco diz que vai pra casa buscar um casaco. Pego uma carona até minha casa. Coloco uma calça, pego umas frutas, umas verduras, uns peperoncinos e volto pra festa.</div>
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Quando chego, o rapaz das compras me pede o haxixe de volta. Âhn...haxixe? Cacete! Ficou no bolso da bermuda! Me sinto a mais tiazona lesada. O rapaz pede pra vegana que come carne um pouco do dela. Ela nega. Eles voltam a brigar. </div>
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Pego minha bolsa e vou andando até minha casa buscar o bagulho do moço. Não demoro a tornar. Feliz. A chuva tinha passado, o entardecer estava lindo e uma caminhada no centro histórico sempre me faz bem. </div>
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Chego no puxadinho e corro acudir a senhorinha alérgica que está tendo uma fortíssima crise de tosse.</div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-89067078543570414222018-08-08T07:43:00.000-03:002018-08-08T08:18:56.468-03:00A maquiadora de defuntos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<a href="https://4.bp.blogspot.com/-db7mQxLyojk/W2rI7xw_9EI/AAAAAAAABaU/4U1s4v_RIOwvXMHO504LbMkaTbIINbWEACLcBGAs/s1600/IMG_20180712_131624421.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1200" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-db7mQxLyojk/W2rI7xw_9EI/AAAAAAAABaU/4U1s4v_RIOwvXMHO504LbMkaTbIINbWEACLcBGAs/s320/IMG_20180712_131624421.jpg" width="240" /></a></div>
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<b>A maquiadora de defuntos.</b><br />
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A mulher baixinha me conta que maquia defuntos e explica que não chegou ali por acaso. É daquelas que sempre se viraram e nunca tiveram vergonha de trabalhar. Tinha filhos pra criar, qualquer trocado lhe servia. Fazia pão, unha, olhava criança. Arrumou um bico num salão de beleza e lá aprendeu a maquiar.</div>
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Um dia, uma amiga muito querida lhe chamou e, sem graça, lhe pediu que maquiasse sua mãe que havia acabado de morrer. "Ela sempre foi muito vaidosa, tenho certeza que gostaria de ser enterrada bem arrumadinha."</div>
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<br /></div>
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O que não se faz por uma amiga. Pegou seu kit make e foi pra funerária. Conta que cuidou da mãe da amiga como se ela ainda vivesse. Penteou, passou laquê, blush, rímel, batonzinho com sua cor preferida. Disse que envolveu aquele corpo já sem vida com muito amor e quando a família a viu, choraram agradecidos. A mãe estava linda e muito digna.</div>
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Depois desse vieram outros pedidos, inclusive das funerárias. Foi se especializando e esse virou seu trabalho principal.</div>
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Diz que até hoje trata seus clientes como se fossem vivos. Fala com eles, descobre preferências, penteia seus cabelos, devolve-lhes a cor, o viço, os enche de carinho. </div>
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"Muita gente tem nojo do que faço, mas não ligo. Faço meu trabalho com amor e pago minhas contas em dia."</div>
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Ela enxuga uma lágrima discreta e parte dizendo: "Os mortos costumam ser mais gentis comigo."</div>
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E naquela mulher pequenininha, vi um gigante.</div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-34880625641899144582018-05-10T05:14:00.000-03:002018-05-10T05:14:50.479-03:00Blind date<br />
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-n9tSarzSsiw/WvP8m1hbD2I/AAAAAAAABZ4/DyLZs89BCKcfPVCpsCd5qYBqWIKQI-YPgCLcBGAs/s1600/Schermata%2B2018-05-10%2Balle%2B10.21.56.png"><img border="0" src="https://3.bp.blogspot.com/-n9tSarzSsiw/WvP8m1hbD2I/AAAAAAAABZ4/DyLZs89BCKcfPVCpsCd5qYBqWIKQI-YPgCLcBGAs/s1600/Schermata%2B2018-05-10%2Balle%2B10.21.56.png" /></a><br />
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<b>Blind date</b><br />
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Hj tenho um blind date</div>
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Blind que?</div>
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Encontro as cegas...deer…vou sair pela primeira vez com um cara que conheci num site</div>
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Jura?! Vc não tem medo?</div>
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Morro! Mas ele parece legal</div>
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Bom…tb…na nossa idade se não for assim vai ser como? kkkk</div>
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Pois é…no supermercado não consigo pegar ninguém…rs</div>
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Ele é gato?</div>
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Não sei. Não tem foto no perfil</div>
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Ih…então deve ser feio ou é bandido querendo se esconder</div>
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Ai, para! Ele tem bom gosto, escolheu um restaurante bem legal</div>
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Então deve ser gay, flor. É ruim hetero com bom gosto dando sopa por aí</div>
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kkkkkkk </div>
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Que horas vai ser?</div>
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Meio dia. Se eu não te mandar msg até às cinco é porque foi muito bom ou eu tô morta</div>
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Cruzes! Qq coisa vai no banheiro e me manda uma msg com aquele emoji do pânico</div>
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Boa! Aí vc me liga fingindo que é minha filha no hospital precisando de mim</div>
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Combinado! Manda também o contato dele e o perfil</div>
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Mando, pera aí que não sei fazer isso no meio do chat</div>
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Assim que vc chegar, já vai avisando…seu perfil está com uma amiga que é da polícia. Não tente nada!</div>
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kkkkkkkkk…o nome do perfil dele é Nemoia</div>
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Nemoia! Que nome estranho…achei que seria Roludo 33cm</div>
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Vc tá me tirando né?</div>
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Tô</div>
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Tonta</div>
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Biscate</div>
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Te amo</div>
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Eu tb</div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-34364034523659329622018-05-04T05:21:00.000-03:002018-05-04T05:21:16.934-03:00Mães reais - Teca<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
\</div>
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<a href="https://2.bp.blogspot.com/-ohNLCPAdHwQ/WuwWDFaGQiI/AAAAAAAABZo/TWoBXBXwE3kUzWypjdIaZHRLOYiSRGXIwCLcBGAs/s1600/Schermata%2B2018-05-04%2Balle%2B10.32.06.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-ohNLCPAdHwQ/WuwWDFaGQiI/AAAAAAAABZo/TWoBXBXwE3kUzWypjdIaZHRLOYiSRGXIwCLcBGAs/s320/Schermata%2B2018-05-04%2Balle%2B10.32.06.png" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<b>Mães Reais - Teca</b><div>
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Grávida de uma produção independente e 100% acidental, ela me pergunta se eu poderia acompanhá-la durante o parto. Me senti profundamente emocionada e aguardei ansiosamente o telefonema me avisando para ir para a maternidade.<div>
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Seria um parto humanizado e ela preparou-se cuidadosamente para isso. Leu tudo que podia, peitou palpites e parentes, escolheu médico figurão, gastou dinheiro além do que podia com consultas. </div>
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No dia que o bebê escolheu para nascer, encontrei-a já no quarto, mergulhada em dores, literalmente. Entrava e saía da banheira, inquieta, suportando com muita dificuldade o que estava por vir.</div>
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De repente começa a gritar: “Eu quero anestesia! Chamem o doutor! Quero anestesia!!!”</div>
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O médico vem, mas se nega a anestesiá-la. Diz que ela estava a pouquíssimos milímetros da dilatação completa e que se ele a anestesiasse agora ela iria se arrepender, pergunta se era aquilo mesmo que queria etc etc.</div>
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Ela pareceu aceitar e segue firme no plano original, traçado com tantos sonhos e ideais.</div>
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As dores aumentam e o bebê finalmente nasce, com ela sentada, sem anestesia e sem epísio. Foi bravíssima, mas está exausta.</div>
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O bebê é um meninão lindo, saudável, Apgar 10, berrador. Quando vão colocá-lo nos seus braços, a escuto dizer:</div>
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“Tira esse filho da puta daqui”.</div>
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Equipe toda constrangida. Corro pegá-lo e o acutcho em meus braços. Ela se encosta na cadeira, vira o rosto de lado, fecha os olhos e aguarda pacientemente o médico suturá-la da laceração. </div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-14290215571898475002018-03-07T12:25:00.000-03:002018-03-07T12:25:54.036-03:00Chão de estrelas<div>
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-bfJmrRKvUx0/WqACwUCC5DI/AAAAAAAABZI/RUcB7zrFxTcqFeHGG774QiJC6n8bIRZNACLcBGAs/s1600/night-sky-with-moon-and-stars-1389109637iVg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1060" data-original-width="1600" height="263" src="https://4.bp.blogspot.com/-bfJmrRKvUx0/WqACwUCC5DI/AAAAAAAABZI/RUcB7zrFxTcqFeHGG774QiJC6n8bIRZNACLcBGAs/s400/night-sky-with-moon-and-stars-1389109637iVg.jpg" width="400" /></a></div>
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<br /></div>
Iara apanhava do marido. A porrada não vinha sempre, era mais quando ele bebia. Difícil entender…ele era homem bom, trabalhador, mas bastava tomar uns goles pra cabeça virar e ele descarregar toda a raiva que tinha da vida na cara dela. E a vida lhe dava muita raiva.<div>
<br /></div>
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Ela o conheceu no baile. Viúvo charmoso, com três filhos pequenininhos e aquela pele grossa de homem que ganha a vida com as mãos. A paixão veio forte e logo estavam os cinco morando juntos numa casinha velha de chão batido e telhado alto cheio de furos. Quando chovia molhava tudo, mas quando tinha luar, a casa se enchia de raios de luz. Parecia que estavam num palco, num chão de estrelas. Iara achava lindo.</div>
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<br /></div>
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O tempo foi passando, vieram mais duas crianças e quanto mais o dinheiro encurtava, mais as porradas aumentavam. Um dia, quando desceu do ônibus, ela o viu na esquina do bar, dando uma mijada no poste. Mal parava em pé. Ela correu pra casa resolvida a não mais apanhar.</div>
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<br /></div>
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Arrumou um pedaço de pau e trancou a porta. O homem já chegou virado e quando não conseguiu entrar ficou doido. Começou a esmurrar, chutar, dizer que quando entrasse ia matar aquela vagabunda. A casa tremia, parecia que ia desabar. Iara juntou as crianças e ficaram os seis encolhidos no canto da sala. </div>
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<br /></div>
<div>
Ele gritou que ia entrar pelo telhado. Maldita casa sem laje. Ouviram uns barulhos nas telhas, mas nem deu tempo dela pegar o pedaço de pau. Era tanto ódio no peito e tanta cachaça na cabeça, que o telhado não aguentou o peso e desabou com tudo no meio da cozinha. Na queda, a cabeça dele bateu na quina da pia e ele morreu ali, antes mesmo da ambulância chegar. </div>
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Nessa noite, não teve raio de luz dançando pela casa. Teve foi uma lua inteirinha, radiosa, ocupando todo o buraco da cozinha. Iara achou lindo.</div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-3596216564594739102018-02-07T07:40:00.002-02:002018-02-07T09:53:09.820-02:00Mulher de fé<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-uaBs5k1rkDE/WnrGkhwcfoI/AAAAAAAABY4/oztARxq29hoiawPx7b760OyPmqRBlSSLACLcBGAs/s1600/vangoghmuseum-s0176V1962-3840.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1265" data-original-width="1600" height="252" src="https://1.bp.blogspot.com/-uaBs5k1rkDE/WnrGkhwcfoI/AAAAAAAABY4/oztARxq29hoiawPx7b760OyPmqRBlSSLACLcBGAs/s320/vangoghmuseum-s0176V1962-3840.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
Sebastiana era vidente. Não que gostasse. Sebastiana odiava aquelas imagens que apareciam na sua cabeça dizendo o que ia acontecer com a gente que conhecia. Era casa pegando fogo, era vaca seca no pasto, era parente de bucho virado. Visão boa nunca vinha.<br />
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<br /></div>
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Sebastiana era mulher de muita fé. E todas as noites antes de dormir, pedia ao Menino Jesus para ter uma noite só de sono, sem vistorias. Às vezes ele ouvia e ela dormia aquele sono largado de neném depois de mamar nas tetas da mãe. Mas era achar que já estava curada daquela maldição pra coisa voltar piorada. </div>
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<br /></div>
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Um dia, Sebastiana nem precisou fechar os olhos para começar a suar frio e ter pavor. Estava na beira do fogão fritando torresmo, quando viu como numa fotografia, a filhinha bebê atropelada no meio da pista que passava na entrada do rancho. Caiu de joelhos ali mesmo e enquanto a gordura da pele do porco chiava, implorou pra Nossa Senhora, Mãe de todas as mães que, se tivesse que levar sua menininha, que não fosse daquele jeito, como um bicho esmagado no asfalto. Suplicou a Ela que falasse com Deus, Nosso Pai, que sabe das coisas e que se Ele estivesse precisando de mais um anjinho, que levasse sua pequena com carinho. </div>
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<br /></div>
<div>
Depois disso, Sebastiana não tirou mais os olhos da menina. Para onde ia, ela ia junto, grudada no seu corpo, como parte da sua carne. Um dia, virou o rosto, coisa de segundos. Quando tornou a pequena havia sumido. Saiu desesperada, mas sentiu que uma mão forte a amparou quando encontrou o corpinho da bebê flutuando no espelho d’água no meio do pomar. Parecia um anjinho adormecido, rodeado de flores brancas de laranjeira sopradas pela brisa. Sebastiana ajoelhou-se. Dessa vez para agradecer a Deus, Maria e Jesus por terem ouvido suas súplicas. Sebastiana era mulher de muita fé.</div>
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<br /></div>
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<i>Ilustração: Amendoeira em flor, Van Gogh - Van Gogh Museum</i></div>
Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-63012731592687877132018-02-06T07:49:00.000-02:002018-02-06T10:37:40.658-02:00Sommelier di cazzo!<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-6nBCBnfZPbM/Wnl3Gs0rdgI/AAAAAAAABYQ/6-P1JEZ4QUIh8gLwN92PiHiy_cL1TsAtgCLcBGAs/s1600/Schermata%2B2018-02-06%2Balle%2B10.40.36.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="497" data-original-width="748" height="212" src="https://2.bp.blogspot.com/-6nBCBnfZPbM/Wnl3Gs0rdgI/AAAAAAAABYQ/6-P1JEZ4QUIh8gLwN92PiHiy_cL1TsAtgCLcBGAs/s320/Schermata%2B2018-02-06%2Balle%2B10.40.36.png" width="320" /></a></div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: "Helvetica Neue"; font-size: 14px; font-stretch: normal; line-height: normal;">
<br /></div>
As feiras de vinho italianas são eventos imperdíveis. A última que fui custava dez euros e você ganhava uma taça que dava direito, durante dois dias, a provar a produção de cerca de 20 vinícolas. Numa delas, conheci um simpático enólogo. Perguntei o que exatamente faz um enólogo e ele me explicou que é um especialista que cuida de todo o processo de produção do vinho, desde o preparo do solo onde serão plantadas as videiras até o vinho pronto, engarrafado e armazenado. Enologia, aqui na Itália, é curso superior. Comentei que deve ser uma profissão difícil, pois envolve inúmeros saberes e está sujeita a variáveis que fogem do controle. Ele confirmou sorrindo, mas disse que é uma profissão apaixonante. E como todo bom italiano, brincou: “O mais difícil da profissão é aguentar as asneiras de alguns sommeliers”. Olhei para ele intrigada. Achava que enólogo e sommeliers andavam de mãos dadas saltitantes pelos vinhedos. Ele explicou: “Mà non…é cada besteira que volta e meia escuto nas degustações! Sabe…no vinho se concentram muitos aromas, de terra, alcachofra, chocolate…mas outro dia um expert di cazzo me diz em êxtase que estava sentindo, num vinho caríssimo, o sabor do granito banhado pelo mar! Mamma mia! Eu moro na praia, conheço mar. Já fui pra ilha de Elba e me sentei numa rocha de granito banhada pelas ondas. Você sente cheiro de alga, de peixe seco...então, posso te dizer, nunca senti cheiro de maresia em uma garrafa de vinho. E, o dia que sentir, jogo fora porque é um vinho de merda!”.<br />
E quem sou eu, nascida e criada na base do Château Duvalier que mamãe diluía com água e açúcar, pra discordar. Tim, tim!Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-42245174954506718982018-01-28T13:33:00.002-02:002018-01-28T15:25:52.315-02:00A moça do trem<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-AXZEW-aqc7A/Wm3sD-e4SrI/AAAAAAAABYA/6RsAl2U1TdoMy5fr3itmslnOerjCD2I0QCLcBGAs/s1600/Schermata%2B2018-01-28%2Balle%2B16.38.02.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="703" data-original-width="1055" height="266" src="https://1.bp.blogspot.com/-AXZEW-aqc7A/Wm3sD-e4SrI/AAAAAAAABYA/6RsAl2U1TdoMy5fr3itmslnOerjCD2I0QCLcBGAs/s400/Schermata%2B2018-01-28%2Balle%2B16.38.02.png" width="400" /></a></div>
<br />
<b>A moça do trem</b><br />
<div>
<b><br /></b>As moças sentadas à minha frente no trem falam português. Evito contato visual e finjo não entender a língua. Mas presto atenção. Sou voyeur confessa de conversas alheias me trazidas pelo ar. Elas acertam detalhes de uma mudança para a Itália para obter a cidadania: arredores de Firenze...apartamento dividido com outras pessoas…registrar residência...comprar uma motinho. Pelo canto do olho, as observo. Uma delas é nova, ativa e parece liderar os movimentos da dupla. Tem longos cabelos pretos e é bonita. A outra parece ter mais de trinta anos, tem profundas olheiras, um visual meio judiado e olhar melancólico. Concorda com quase tudo que a outra diz e de vez em quando expressa preocupação por não falar italiano, o que pode prejudicá-la na busca por emprego de costureira industrial. Penso com aquela atitude perdedora ela terá mesmo dificuldade. Sigo com meus julgamentos superficiais quando a ouço dizer: “Assim que conseguir a cidadania italiana, nunca mais volto praquele lugar”. Mais uma brazuca com síndrome de viralata - minha mente é mais rápida pra julgar do que comentarista de rede social. Alheia aos meus pensamentos, a moça triste diz: “…não quero mais ver minha família. Chega de falatório na minha cabeça. Meu pai nunca mais vai me bater..." Um arrepio gelado desce pela minha espinha. A Dona Vida adora me esculachar quando sou ridícula. A moça triste continua: “…ele vai ver...nunca mais vai meter a mão em mim". Nossos olhares se cruzam. Sinto uma imensa vontade de abraçá-la. Dizer que ela é linda, forte, bravíssima, que tudo dará certo e que ela nunca, nunca mais vai apanhar. Mas eu não falo português. Então sorrimos. Eu desço na minha estação. E ela segue rumo à sua nova vida.<br />
<br />
<br /></div>
Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-17359053793236467682018-01-08T15:53:00.001-02:002018-01-09T06:45:45.926-02:00O caçador de vagalumes<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-Ij_Bzq264mo/WlOuh66qRoI/AAAAAAAABXw/wT3LTwY2a4EEHRDHdAnChYaw0CsnweG6gCLcBGAs/s1600/lightning-bug-jar.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="375" data-original-width="500" height="300" src="https://3.bp.blogspot.com/-Ij_Bzq264mo/WlOuh66qRoI/AAAAAAAABXw/wT3LTwY2a4EEHRDHdAnChYaw0CsnweG6gCLcBGAs/s400/lightning-bug-jar.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<b>O caçador de vagalumes</b><br />
<br />
Depois do sexo, os dois trocam lentas carícias iluminadas pela luz da claraboia. Um vagalume voa pelo lado de fora. Ela sorri. Ele acende um cigarro e lhe conta que quando tinha oito ou nove anos precisou ser internado por muitos dias. A ala infantil estava lotada e o colocaram num quarto com adultos. Era a única criança ali e seus pais vinham visitá-lo duas vezes ao dia, pois eram pobres e não tinham como parar de trabalhar.<br />
<div>
<br /></div>
<div>
Ele dá uma tragada e, por trás da fumaça, ela vê os olhos dele embaçarem. Ele fala do tédio, do bumbum todo furado de injeção, das enfermeiras nem sempre gentis. Acabou virando o mascote da ala e, de vez em quando, alguém lhe dava um gibi. Para aquele garotinho pobre, um gibi era mais que um presente de valor incalculável, era também uma companhia, que ele saboreava lentamente página por página, quadrinho por quadrinho.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
O vagalume continua tentando entrar pelo vidro. Ele se lembra da vez que uma paciente o acordou no meio da noite e o levou até um pequeno jardim entre as alas. Era uma noite muito escura, sem luar. A mulher cobriu os olhos dele com as mãos e, quando retirou-as, estavam no centro de uma nuvem de vagalumes. Por todos os lados, centenas de pirilampos enchiam o ar da noite com desenhos de luz. A paciente deu-lhe um vidro de marmelada e ele ficou algum tempo correndo pelos canteiros tentando capturá-los. Aquele momento o fez esquecer-se de tudo: doença, picadas, tédio, pobreza, saudade. De repente, era só um moleque caçador de pisca-piscas. Ele dá outra tragada no cigarro e a abraça com doçura. Por trás da fumaça, ela vê seus olhos verdes se encherem de brilho.<br />
<br />
<br />
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-56160618479011167372017-12-22T10:19:00.000-02:002018-01-08T15:56:14.146-02:00Bota Bee Gees na vitrola<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-4YP4Azxmo7M/WjzwdeBL9ZI/AAAAAAAABXg/LeE1VgO_6rUkQbOnVhq7zYIlU2_Ba9UcACLcBGAs/s1600/saturday-night-fever-travolta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="399" data-original-width="600" height="265" src="https://2.bp.blogspot.com/-4YP4Azxmo7M/WjzwdeBL9ZI/AAAAAAAABXg/LeE1VgO_6rUkQbOnVhq7zYIlU2_Ba9UcACLcBGAs/s400/saturday-night-fever-travolta.jpg" width="400" /></a></div>
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<b>Bota Bee Gees na vitrola</b><br />
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Semana passada fui ao cinema assistir a versão remasterizada dos “Embalos de Sábado à Noite”. Homenagem aos 40 anos do filme que foi um dos mais marcantes da minha geração.</div>
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A gente morava no interior de São Paulo e queria muito ver esse filme, em cartaz no Cine Bristol, da rua General Osório. Mas eram os tempos da ditadura (a primeira, dos milicos) e, depois do curta metragem nacional e do futebol do Canal 100, entrava a famigerada cartela da censura dizendo que o filme era proibido pra menor de 18 anos.</div>
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Eu era dimenor e necas de poder ir. Então, nossas tardes eram sentadas ao redor das meninas mais velhas ou das destemidas, que tinham carteirinha de estudante falsificada, pra escutar de novo e de novo, como num disco riscado, todos os detalhes das história de amor do Tony Manero com a Stephanie. Amávamos John Travolta e odiávamos a rival da Stephanie, Annette, porque era abusada e oferecida (mal sabíamos então que as abusadas e oferecidas ainda virariam nossas musas). </div>
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A febre era tanta que na cidade acabou rolando uma competição: quem assistia ao filme mais vezes. Naquele tempo não tinha Netflix, internet, torrent, nem mesmo fita cassete. Pra ver o filme, você tinha que ir ao cinema e comprar o ingresso. A meninada era dura e resolveu este problema fazendo pirataria de banco de cinema. Quando começavam os créditos do final do filme, você ia ao banheiro e ficava lá até a próxima sessão. Tinha gente que ficava 4 sessões seguidas, até a mãe ir na delegacia registrar o desaparecimento da criatura ou o lanterninha descobrir e botar pra fora. Uma amiga conseguiu ver o filme 17 vezes e entrou pro hall da fama das descoladas do bairro. </div>
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Os Embalos mudaram os bailinhos de fundo de quintal, que na nossa cidade eram chamados de brincadeira dançante, ou brincadeira, ou só brinca. </div>
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Brinca de verdade tinha que ter a trilha do filme. Tinha que ter luz colorida, nem que fosse com celofane. E tinha que ter a galera afinada na coreografia. </div>
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Agora vem o ponto alto dessa saga: um dia, quando John Travolta já estava quase trocando a Stephanie pela Olivia Newton-John e o filme já tinha saído de cartaz no Cine Bristol, vem a notícia que ele tinha retornado no Cine Comodoro, com a faixa etária reduzida. Eu e o restante da rua finalmente poderíamos ir!</div>
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Até hoje o coração dispara de emoção ao lembrar da pivetada (que eram os dimenor naquele tempo) comprando os bilhetes e entrando no cinema, que tinha preparado uma surpresa especial para aquela ocasião: um globo no teto! Nas cenas de disco, o globo girava, enchendo a sala e nossos corpos de brilho. E a gente levantava e dançava junto como se estivesse na balada.</div>
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Como dizia Zeca Baleiro, quem não pode Odissey 2001 vai de Cine Comodoro. E como fomos felizes! </div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-4444477648550959922017-10-26T05:26:00.000-02:002017-10-26T05:28:34.464-02:00Balcão de golpes<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><a href="https://2.bp.blogspot.com/-5R4nyNQop9Q/WfGMC8WaF1I/AAAAAAAABXM/w5zip53sVKotgqVLtoCmUq1ny-COC5wqQCLcBGAs/s1600/15832389421_07b4ff89ab_o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="990" data-original-width="1281" height="247" src="https://2.bp.blogspot.com/-5R4nyNQop9Q/WfGMC8WaF1I/AAAAAAAABXM/w5zip53sVKotgqVLtoCmUq1ny-COC5wqQCLcBGAs/s320/15832389421_07b4ff89ab_o.jpg" width="320" /></a></b></div>
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<b><a href="https://2.bp.blogspot.com/-3DUw2MlhoeI/WfGMGH9w-kI/AAAAAAAABXQ/bF1h28KaeloxiF-pMSDoe7RXm2l1ywfXACLcBGAs/s1600/15697245_1170851499650302_3530090697753465177_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="695" data-original-width="960" height="231" src="https://2.bp.blogspot.com/-3DUw2MlhoeI/WfGMGH9w-kI/AAAAAAAABXQ/bF1h28KaeloxiF-pMSDoe7RXm2l1ywfXACLcBGAs/s320/15697245_1170851499650302_3530090697753465177_n.jpg" width="320" /></a></b></div>
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Balcão de golpes</b><br />
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- Oi, aqui é o balcão de golpes de estado?</div>
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- Sim. Posso ajudá-lo?</div>
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- Eu quero tirar esse maldito governo eleito pelo povinho ignorante do meu país.</div>
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- Uhmmm…governo democraticamente eleito? </div>
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- Sim, mas é claro que a eleição foi fraudada.</div>
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- Fraude comprovada?</div>
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<br /></div>
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- Não, mas a burra que eles botaram no poder nunca se elegeria sem trapaça.</div>
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- Certo. Ela cometeu algum crime?</div>
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<br /></div>
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- Claro, roubou pra caramba! Está acabando com o país.</div>
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<br /></div>
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- Aí é mais fácil. Quais os crimes que ela está sendo acusada?</div>
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- Pedaladas fiscais.</div>
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- Como?</div>
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- Pedaladas fiscais. </div>
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<br /></div>
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- Pedaladas fiscais? Entendo. Bom, eu vou olhar aqui a tabela, um minuto por favor…Item 21: ”Presidente democraticamente eleita sem fraude comprovada e sem crime de responsabilidade”. Ihh…vai custar caro. Bem caro. Não quer esperar pra trocar de governo na próxima eleição? </div>
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<br /></div>
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- Esperar?! Tá louco? Não aguento esperar nem mais uma semana! Caro quanto?</div>
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<br /></div>
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- Deixa eu ver…Item 21 da tabela de preço…um bom pedaço das áreas de proteção da Amazônia.</div>
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<br /></div>
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- Índio, bicho e árvore, só isso?! Leva! Fora canalhas! </div>
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<br /></div>
<div>
- Calma, tem mais, o sistema hoje está lento…um minuto…você nem seus filhos vão poder aposentar antes de…deixa eu ver aqui…70 anos.</div>
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<br /></div>
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- Feito. Eu faço esse sacrifício por amor à essa camisa verde amarela. Sai gentalha! </div>
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- Também vamos ficar com as suas leis trabalhistas e facilitar o lado pro trabalho escravo. </div>
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- Tranquilo! Lei trabalhista pra que nesse país de vagabundos? </div>
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- Renda mínima pra pobre, estudante indo pro exterior, programa de moradia social, combate à fome e à pobreza….vamos cortar tudo.</div>
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- Boa! Corta tu-do! Vamos ensinar essa gente a pescar!</div>
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- Calma…Também vai custar todo seu setor energético que vamos entregar pra iniciativa privada. Fica tranquilo que é pra gente da maior competência. Gringa, é claro! Hidrelétricas, reservas de petróleo, pré-sal, etc etc…tem muita letra miúda aqui. Quer que eu leia tudo?</div>
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<br /></div>
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- Não precisa! Imagina…confio em vocês. Leva tudo mas, pelo amor de Deus, tira essa anta do poder!</div>
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<br /></div>
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- Uhm…essa você vai gostar. O novo governo vai ser composto só de homens. Coisa fina, escolhida a dedo…brancos, machistas, homofóbicos, ruralistas, carregadores de bíblia, defensores da família…tem que ver como eles falam bem. Português corretíssimo!</div>
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<br /></div>
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- Excelente! Puseram uma mulher lá e viu a bandalheira que virou?</div>
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<br /></div>
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- Uhm….universidade é problema? Porque estou vendo aqui que vai custar o fim da universidade pública gratuíta e das verbas de pesquisa científica. O SUS também vai encolher, mas fica tranquilo que os planos de saúde privado vão cuidar de todo mundo.</div>
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- Problema nenhum! Sua hora vai chegar, bandidada!!!!!!!</div>
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- Agrotóxicos proibidos também serão liberados. Por falar em liberar, tem uma lista de nomes aqui que serão liberados também. No caso, da cadeia.</div>
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- Gente desse partido que está no governo?</div>
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<br /></div>
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- Não, desse partido que está aí nós vamos prender todo mundo. Vamos liberar quem ajudará a gente nesse serviço que você está contratando. </div>
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<br /></div>
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- Ué, mas eles também não são corruptos?</div>
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<br /></div>
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- Sim, mas estão do nosso lado. Temos um acordão com eles, com o Supremo, com tudo. Gente corrupta digna e da nossa total confiança. Custam caríssimo, mas é serviço garantido!</div>
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<br /></div>
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- Ah, então beleza! Vocês são bons mesmo! </div>
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- Calma que não acabou. Vai custar também uma reforma do sistema eleitoral. Vamos implantar o Distritão. Um sistema que já foi testado no Afeganistão e funciona que é uma maravilha.</div>
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<br /></div>
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- Afeganistão? Aí é forçar a amizade…não sei, não…</div>
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- Fica sossegado! Vanuatu também usa. </div>
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- Vanuatu?!</div>
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- Uma ilha perto da Austrália.</div>
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- Austrália! Primeiro mundo! Sen-sa-cio-nal! Bora derrubar a mula…aliás…pode parar de olhar aí no computador. O que for pra fazer, faça. Leva o que precisar. Mas tira essa gente, antes que eles destruam o país!</div>
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<br /></div>
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- Ok, negócio fechado. </div>
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<br /></div>
<div>
- Ai, estou tão feliz! Está me dando até vontade de chorar. Posso fazer uma dancinha?<br />
<br />
<br />
<i>Ilustrações: Le Livre de la Vigne nostre Seigneur, França, século 15, autor desconhecido.</i></div>
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<br /></div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-7355292161585181342017-10-21T13:07:00.000-02:002017-10-21T13:07:59.606-02:00Ditadores e merenda, história antiga.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-8Yr2O5Asszc/WetgwYcYAzI/AAAAAAAABW8/abn9Y-DeMRkNz55XS_Nyq2y6MG0_zRmVQCLcBGAs/s1600/saca-soja.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="413" data-original-width="551" height="239" src="https://4.bp.blogspot.com/-8Yr2O5Asszc/WetgwYcYAzI/AAAAAAAABW8/abn9Y-DeMRkNz55XS_Nyq2y6MG0_zRmVQCLcBGAs/s320/saca-soja.jpg" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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<b>Ditadores e merenda, história antiga.</b></div>
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Durante a ditadura militar, no governo João Figueiredo, houve muita propaganda sobre os fantásticos benefícios da soja, grão estranho à população, cujo plantio estava sendo introduzido em nossos campos.<div>
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Me lembro que minha mãe comprou o discurso e eis que, um belo dia, ela aparece em casa com uma saca de 60 quilos de soja.</div>
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Tuba, nossa cozinheira*, reinava absoluta no fogão e decidiu que aquele grão desbotado seria preparado de duas maneiras: em forma de salada ou cozida como feijão. Minha mãe bem que tentou introduzir outras variações, mas, basicamente, na nossa mesa, o cardápio era inovado com um rodízio diário de soja em salada ou soja em feijão.</div>
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<br /></div>
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Estudávamos na escola pública e, um dia, recebemos a notícia que o Governo Federal iria introduzir leite de soja na merenda escolar, fabricado por uma máquina que se tornou conhecida na época como “vaca mecânica”.</div>
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<br /></div>
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Nosso paladar infantil entrou em colapso. Não conseguíamos lidar com a notícia de mais soja em nossas vidas.</div>
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<br /></div>
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Foi o presidente Figueiredo, o próprio, que nos salvou da maldição do grão do oriente. Diante de toda a imprensa, ele experimentou o leite de soja e com a finura de quem sentia-se bem à vontade nas cocheiras, cuspiu o líquido longe dizendo que o gosto era horrível. </div>
<div>
<br /></div>
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Foi praticamente o fim do programa nas escolas. Em casa ele continuou por mais uns 250 anos até que o último grão de soja daquele enorme saco de estopa fosse consumido. Em forma de salada ou feijão.</div>
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<br />* Ah, a ditadura e os saudosos tempos da classe média avec serviçais (aviso ao leitor franco comentador: estou sendo irônica) </div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-32046485700835245002017-10-19T04:59:00.000-02:002017-10-19T04:59:47.744-02:00A esposa que falava com espíritos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-r2o7UaXjCR8/WehNME7UREI/AAAAAAAABWo/Zl1D3UYoz2oQFlmBA-2VlDmnPbrX1AjWQCLcBGAs/s1600/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-10-19%2Ba%25CC%2580s%2B09.01.17.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="550" data-original-width="377" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-r2o7UaXjCR8/WehNME7UREI/AAAAAAAABWo/Zl1D3UYoz2oQFlmBA-2VlDmnPbrX1AjWQCLcBGAs/s320/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-10-19%2Ba%25CC%2580s%2B09.01.17.png" width="219" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
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</div>
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<b>A esposa que falava com espíritos</b><div>
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Bonelinha falava com os espíritos. Era um dom que tinha desde muito nova. Eles se aproximavam de mansinho e diziam coisas em seu ouvido. Às vezes confidências, às vezes auxílio, por vezes um desesperado pedido de ajuda.</div>
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<br /></div>
<div>
Uma noite, quando ia colocar a filha pra dormir, um espírito lhe cochicha que o marido, Batista, que havia saído já há algum tempo, todo bem vestido e perfumado, não tinha ido “cobrar verdura de uns fregueses” como ele lhe havia dito. E completou: “Se quiser, te mostro onde ele está."</div>
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Bonela bota um casaquinho, calça uma sandália, pega a filha nos braços e sai na noite vazia, seguindo as direções do GPS do além.</div>
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“Vira aqui, passa ali, atravessa lá, anda, anda, anda e bata palma nessa porta iluminada por um candeeiro com luz vermelha."</div>
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Atende uma senhora de maquiagem e vestido que mulher direita nenhuma usaria. Pelo menos não naqueles tempos. A dona da casa arregala os olhos diante da visitante inesperada: “Dona, pelo amor de Deus! O que a senhora faz num lugar desses com essa criança?”</div>
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Bonela explica, a proprietária entra e em poucos minutos lhe devolve o marido.</div>
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Chegando em casa o pau come. Gritos ecoam de um lado e louças espatifam do outro.</div>
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<br /></div>
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Nesse ponto, nossa história divide-se em dois tipos de opineiros: os que apoiam Bonela por todos os motivos que se apoia a mulher traída. E os que apoiam Batista, pelo único e exclusivo motivo que nenhum homem deveria passar por tamanha humilhação num puteiro. E eu? Me atenho ao registro da ocorrência, deixando a você leitor o trabalho de tomar partido.</div>
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<br /></div>
<div>
O saldo da briga foi um jogo de jantar quebrado e um gelo que durou dois anos para derreter, durante o qual, Bonela e Batista dirigiam-se um ao outro somente quando era absolutamente essencial. Aparentemente, atividades noturnas estavam na lista das essencialidades, pois um gorducho bebê nasceu no período. </div>
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<br /></div>
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E assim termina a fantástica história da mulher médium, do marido cobrador de verduras e do espírito X9.</div>
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Que uma alma me caguete se eu estiver mentindo.</div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-46900893523165026662017-10-17T05:42:00.001-02:002017-10-17T06:00:09.973-02:00Comida de astronauta<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-fO4PxCnNfxk/WeWzOuOAgKI/AAAAAAAABWI/zWfZKltAOzIpU7q2pbZ8_eTjLOqyTIUYwCLcBGAs/s1600/4063_o_laika.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="802" data-original-width="737" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-fO4PxCnNfxk/WeWzOuOAgKI/AAAAAAAABWI/zWfZKltAOzIpU7q2pbZ8_eTjLOqyTIUYwCLcBGAs/s320/4063_o_laika.jpg" width="294" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<b>Comida de astronauta</b><br />
<br />
“Mãe, essa sopa tá esquisita. É sopa de que?”<br />
<div>
<br /></div>
<div>
A mãe não sabia. Nem a assistente social soube dizer o que tinha naquele granulado esquisito que ganhou da Prefeitura. </div>
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<br /></div>
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A assistente ainda tentou animá-la: “É comida de astronauta, olha que chique!”</div>
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<br /></div>
<div>
“Moça, num precisa ir tão longe pra encher nossa barriga, não. Eu fui criada na roça. A gente era pobre, muito pobre, mas sempre tinha um cará, um aipim, uma taioba pra refogar, uma banana amassadinha pra dar pros bebês. Comida é o que vem do chão que a gente pisa, não da lua.” </div>
<div>
<br /></div>
<div>
“Mãe! Ô mãe! Que que tem nessa sopa?”</div>
<div>
<br /></div>
<div>
O resmungo dos filhos a trouxe de volta dos pensativos. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Continuava sem saber o que responder. Misturou a ração da Prefeitura na água quente, colocou o miojo pra dar uma alegrada, uma pitadinha de sal. Sabe lá o que tinha na sopa.</div>
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<br /></div>
<div>
Lembrou-se da música que uma das patroas tocava na hora de dar papinha pro nenê. Começou a cantarolar:</div>
<div>
<br /></div>
<div>
"Que que tem na sopa do neném?<br />
Que que tem na sopa do neném?<br />
Será que tem farinha?<br />
Será que tem balinha!?<br />
Será que tem macarrão?<br />
Será que tem caminhão?!<br />
É um, é dois, é três..."</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Os meninos acharam estranho. “Tá doida, mãe?!”</div>
<div>
<br /></div>
<div>
A mãe continuou, agora batucando com a colher de pau na frigideira vazia.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
<div>
"...Que que tem na sopa do neném?</div>
<div>
Que que tem na sopa do neném?</div>
<div>
Será que tem mandioca?</div>
<div>
Será que tem minhoca!?!</div>
<div>
Será que tem jacaré!?!</div>
<div>
Será que tem chulé!?!</div>
<div>
É um, é dois, é três...</div>
</div>
<div>
<br /></div>
<div>
As crianças começaram a rir e devagarinho foram engolindo. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Naquela noite dormiram de barriga cheia. E sonharam com aipim.<br />
<br />
<br />
<a href="http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1926633-doria-promete-distribuir-comida-de-astronauta-para-erradicar-fome-em-sp.shtml">http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1926633-doria-promete-distribuir-comida-de-astronauta-para-erradicar-fome-em-sp.shtml</a><br />
<br />
<br /></div>
<div>
<br /></div>
Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-88191232472163400622017-10-13T05:53:00.000-03:002017-10-13T08:45:01.094-03:00O beijo do fuzil<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-aOFMZlJy7WM/WeB66zpseNI/AAAAAAAABV4/684FXuKBUDouAM1SsBY6OeonjS4hXWgLQCEwYBhgL/s1600/marisa.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="287" data-original-width="360" height="255" src="https://3.bp.blogspot.com/-aOFMZlJy7WM/WeB66zpseNI/AAAAAAAABV4/684FXuKBUDouAM1SsBY6OeonjS4hXWgLQCEwYBhgL/s320/marisa.png" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<b>O beijo do fuzil</b></div>
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<br /></div>
Tem gente que nasce em berço esplêndido.<br />
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<br /></div>
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Tem gente que nasce virada pra lua.</div>
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<br /></div>
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Marisa nasceu preta e favelada.</div>
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<br /></div>
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Virou doméstica, diarista, ambulante e foi se virando que conseguiu dar pro filho um casaco e um boné de marca. </div>
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<br /></div>
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Tem menino que quer ir pra Disney. </div>
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<br /></div>
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Tem menino que quer ir num jogo da Champions. </div>
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<br /></div>
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O dela queria vestir o boné e o casaco da vitrine. </div>
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<br /></div>
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Foi o vizinho que acordou Marisa. Corre lá que os PMs tão dando um esculacho no seu filho e na sua filha. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Marisa salta da cama e chega na cena de pijama. Meus filhos não são traficantes, não senhor. Essas roupas de marca eu comprei na prestação. Sou trabalhadora, aqui não tem nenhum bandido.</div>
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<br /></div>
<div>
A roupa é do shopping, mas e o radiocomunicador, heim?</div>
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<br /></div>
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Tem rádio aqui não, senhor.</div>
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<br /></div>
<div>
O PM resolve aplicar sua própria justiça. Manda Marisa bater nos filhos. Senta mão neles, mas senta forte, que senão batemos nós.</div>
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<br /></div>
<div>
Marisa nega. Nunca bati em filho meu, não vai ser agora, senhor. Eles não fizeram nada.</div>
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<br /></div>
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Os PMs ficam putos. Um deles vem por trás e dá uma coronhada de fuzil na nuca de Marisa. Ela cai e eles partem. Piranha.</div>
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<br /></div>
<div>
Os filhos levam a mãe pra casa, pra UPA, pro hospital e de lá pro velório. Só não teve enterro porque a PM quer apurar se o aneurisma que a matou foi decorrência do trauma causado pelo beijo do fuzil.</div>
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<br /></div>
<div>
O processo está na gaveta, assim como o corpo de Marisa.</div>
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<br /></div>
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Tem gente que morre de amor.</div>
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<br /></div>
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Tem gente que morre de tédio.</div>
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<br /></div>
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Marisa morreu de Estado.</div>
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<br />
<br />
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; min-height: 14px;">
<br /></div>
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; min-height: 14px;">
<a href="https://extra.globo.com/casos-de-policia/antes-de-dar-coronhada-pm-do-bope-mandou-mulher-bater-na-filha-diz-testemunha-21934181.html">https://extra.globo.com/casos-de-policia/antes-de-dar-coronhada-pm-do-bope-mandou-mulher-bater-na-filha-diz-testemunha-21934181.html</a></div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-74558494497840041802017-10-06T05:03:00.000-03:002017-10-07T08:27:51.619-03:00Maconheira do Cristo<br /><a href="https://4.bp.blogspot.com/-BxPrNqw3GHM/Wdc0NPPwW6I/AAAAAAAABVY/HSLfgTG2d5Ya2lQrXS0XKvaepOOUgDHMwCLcBGAs/s1600/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-10-06%2Ba%25CC%2580s%2B09.51.53.png"><img border="0" src="https://4.bp.blogspot.com/-BxPrNqw3GHM/Wdc0NPPwW6I/AAAAAAAABVY/HSLfgTG2d5Ya2lQrXS0XKvaepOOUgDHMwCLcBGAs/s320/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-10-06%2Ba%25CC%2580s%2B09.51.53.png" /></a><div>
<br /></div>
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<br /><b>Maconheira do Cristo</b><br /><br />Conheci Suzi em um bar em Perúgia e logo no primeiro parágrafo ela conta que é evangélica e toma antidepressivos porque tem uma forte depressão desde a adolescência. Talvez quisesse justificar seu simpático jeito meio atrapalhado falar, emendando uma história na outra e, muitas vezes, perdendo o fio da meada. Nessas horas, ela dá um suspiro, olha pra cima e diz: “Nem lembro mais o que eu estava falando.” Eu também não lembro, mas a gente logo engata noutro assunto e a prosa flui non stop.<div>
<br /></div>
<div>
Mora na Itália há dois anos e no início tinha muito medo de se tratar com os médicos locais: “Aqui não tem muita gente deprimida, então eles não tem muita experiência com essa doença…não é como no Brasil que qualquer psiquiatra é super especialista nisso”.</div>
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<br /></div>
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Enquanto pede outra cerveja, diz que quer parar com os remédios porque gosta de beber. “Bebo muito, sou cachaceira mesmo”. </div>
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<br /></div>
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“Mas Suzi, e a Igreja?”</div>
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<br /></div>
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“Eu sei que não devia, mas pago meu dízimo e qual o problema da gente se divertir um pouco? Não é isso que desagrada o Senhor”.</div>
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<br /></div>
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Digo que é primeira vez que vou naquele bar. Ela avisa que ali é um reduto de comunistas. Mas frisa que são todos muito gente boa, diferente dos comunistas insuportáveis do Brasil. E que todo mundo é ateu. “Eu sou a única que acredita em Deus aqui. Devagarzinho vou tentando fazê-los escutar a palavra do Senhor, mas eles não ligam muito. Eu gosto de dar bíblias, já dei uma pra cada um. E um calendário com salmos. Fiquei superfeliz de ver que meu calendário continua em cima do balcão e que eles destacam uma folhinha por dia. Devagarzinho, a Palavra vai entrando.”</div>
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<br /></div>
<div>
Deixa escapar que já fumou muita maconha. “Muita mesmo. Eu comia com farinha!” Dou risada e pergunto se ainda fuma.</div>
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<br /></div>
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Ela olha de um lado para o outro e sussurra que ainda dá seus pegas, mas que ninguém pode saber porque os pegas aqui pegam mal.</div>
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<br /></div>
<div>
Pergunto se poderia me arrumar um pouco. Ela diz que pode me apresentar algumas pessoas. Explico que não é o caso, porque não como com farinha. Um beque me faria feliz por uns meses. “Te dou a grana e quando você pegar, me dá um pouquinho, pode ser?”</div>
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<br /></div>
<div>
Ela nega e explica: “Se eu tocar no seu dinheiro, estaria fazendo tráfico. E tráfico eu não faço.”</div>
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<br /></div>
<div>
Paro alguns segundos para tentar entender a lógica. Desisto. Tento argumentar que não é tráfico: “É compartilhamento. O Senhor não nos ensinou que devemos compartilhar, Suzi? Ajudar os necessitados? Então, me ajuda, poxa…”</div>
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<br /></div>
<div>
Ela desconversa e muda o rumo da prosa, o que faz com uma habilidade incrível.</div>
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<br /></div>
<div>
Quando estou indo embora, ela abre a bolsa e me dá um presente encapado caprichosamente com um papel de seda cor de rosa. Sinto o imenso carinho que ela coloca nesse ato e fico emocionada.</div>
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<br /></div>
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Volto do bar com uma Bíblia e sem o beque.</div>
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Tempos estranhos.<br /><br /></div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-31636231472612147232017-09-16T13:50:00.000-03:002017-09-16T14:10:55.401-03:00O cornuto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-6KfLXZTuIto/Wb1PfPmW1KI/AAAAAAAABVI/LUoyeltbRoAYgp_HR2VrnZSSbFmLB00TQCLcBGAs/s1600/4348c3c10f890a2657ada1b8d29f3c46--lobster-claws-ravenna.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="532" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-6KfLXZTuIto/Wb1PfPmW1KI/AAAAAAAABVI/LUoyeltbRoAYgp_HR2VrnZSSbFmLB00TQCLcBGAs/s320/4348c3c10f890a2657ada1b8d29f3c46--lobster-claws-ravenna.jpg" width="212" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<br /></div>
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<b>O cornuto</b></div>
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Quando saio bicicleta, volta e meia passo numa esquina onde há sempre um velhinho sentado em uma cadeira de rodas, tomando sol e olhando o movimento.</div>
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<br /></div>
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Numa dessas vezes ele acenou para eu me aproximar.</div>
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<br /></div>
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Sinal verde. Velhinho fofo, italianíssimo, carismático e eu desesperada por uma socialização. Bora parlar.</div>
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<br /></div>
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Mal me aproximo e ele começa a falar sem parar numa voz rouca e baixa. Explico que ele precisa falar mais devagar pois não falo bem o italiano. Ele abre um sorrisão, que eu diria até safado, se tivesse todos os dentes. Diz que logo viu que eu era gringa e que sou belíssima!</div>
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<br /></div>
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Elogio na minha idade não importa de quem, quando e onde vem. Aceito, obrigada! Nos apresentamos com um aperto de mão. Ele me diz que se chama Vitório. </div>
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<br /></div>
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Gentileza daqui, gentileza de lá, eu já ia dando arrivederci, quando ele diz que na Itália amigos se abraçam.</div>
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Sinal amarelo. O abraço não é tão comum por essas bandas onde estou, sendo que até as mulheres se apertam as mãos. Também não é incomum, mas nada no nivel de escancaro do brasileiro que já chega com o fungo a nuca.</div>
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De todo jeito, meu lado esquerdista vai pra Cuba hippie do novo milênio mais amor por favor falou mais alto e toca eu compartilhar um abraço com o frágil senhorzinho.</div>
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<br /></div>
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Pois no destrambelho de abraçar com uma mão e segurar a bicicleta com a outra, o danado me puxa, tenta me dar um beijo e colocar a mão nos meus peitos.</div>
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Sinal vermelho com alarme antimíssil. Empurrei-o, dei um salto pra trás e gritei indignada: “Vitório!”</div>
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Ele me olha com a cara de choro mais comovente do mundo e diz: “Me desculpe, sou muito sozinho. Preciso tanto de companhia”.</div>
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<br /></div>
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“Cadê sua esposa?!”, pergunto, ainda bem brava com ele.</div>
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<br /></div>
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Dando de ombros e com cara de desprezo, ele responde: “Me largou. Saiu pelo mundo com um homem mais novo…sou um cornuto!”</div>
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<br /></div>
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Não consegui segurar a risada. Ele ri também. </div>
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<br /></div>
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Feliz pela Sra. Vitória, rapidamente me afasto, balançando a cabeça rendida. Quando criaram os italianos os Deuses deveriam estar de muito bom humor.</div>
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<br /></div>
Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-71865373626186099132017-09-13T07:20:00.000-03:002017-09-13T07:27:06.417-03:00Contém zoofilia, adultério e degeneração familiar<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-IOC6gymVx38/WbkDCANw2dI/AAAAAAAABUs/vPBNeCZjzH8Qdg_IpqBX3PZDMrEuevBegCLcBGAs/s1600/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-09-13%2Ba%25CC%2580s%2B12.13.32.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="365" data-original-width="483" height="301" src="https://4.bp.blogspot.com/-IOC6gymVx38/WbkDCANw2dI/AAAAAAAABUs/vPBNeCZjzH8Qdg_IpqBX3PZDMrEuevBegCLcBGAs/s400/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-09-13%2Ba%25CC%2580s%2B12.13.32.png" width="400" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<b>Contém zoofilia, adultério e degeneração familiar </b><br />
<div>
<br /></div>
<div>
Era uma vez uma princesa, chamada Leda. Ela era tão linda, mas tão linda, que logo apareceu um rei querendo esposá-la. Leda aceitou e eles foram viver no Reino de Esparta. Todos os dias, depois de tomar seu café da manhã de rainha, Leda deitava-se na grama para um delicioso banho de sol. Naquele tempo não tinha biquini, então Leda ia nua mesmo. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Esse arreganhamento todo chamou a atenção de um cara do andar de cima, chamado Zeus. Zeus pirou no corpão da moça e fez um plano para possuí-la. Transformou-se num cisne e assim conseguiu entrar no jardim da rainha. Ao ver aquela ave com aquele pescoção, Leda não resistiu. Voou pena pra todo lado. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Naquela noite, Leda ainda transou com o rei Tíndaro. O resultado desse dia muito louco foi uma gravidez que deu a luz a dois ovos. De um dos ovos nasceram as gêmeas Helena e Clitemnestra e do outro, Castor e Pólux. Naquele tempo também não tinha DNA, então não se sabe até hoje com certeza quem era flho de Zeus e quem era filho de Tíndaro. </div>
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<br /></div>
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A história da mulher que trepou felizona com uma ave (ou não e, nesse caso, teríamos que colocar mais um aviso no título - estupro), chama-se “Leda e o Cisne” e foi contada há milhares de anos por vários escritores da mitologia grega, como Virgílio e Homero. É tão sedutora, que grandes mestres da pintura, escultura e fotografia renderam-se aos seus encantos, como Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rubens, Tintoretto, Cezanne, Klimt, Salvador Dali, Man Ray e muitos outros. Leda e o Cisne também virou peça de teatro, balé e um famoso poema de Yeats, prêmio Nobel de literatura. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Uma história que transforma o grotesco em beleza e que teria se perdido se, naquele tempo, os mecenas da arte tivessem dado ouvidos ao arrulho dos puritanos medíocres. Não deram, graças a Deus ou a Zeus. <br />
<br />
<dt style="box-sizing: border-box; clear: left; color: #333333; float: left; font-family: HelveticaNeue, Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 12px; letter-spacing: 1px; line-height: 18px; overflow: hidden; text-overflow: ellipsis; width: 130px;">Artist:</dt>
<dd style="box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: HelveticaNeue, Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 12px; letter-spacing: 1px; line-height: 18px; margin-left: 130px; padding-bottom: 30px;"><div id="ctl00_mainContentPlaceHolder_ucArtworkArea_repArtworkDetails_ctl00_ucBasicDetailsControl_SchemaDiv" style="box-sizing: border-box;">
<h1 id="ctl00_mainContentPlaceHolder_ucArtworkArea_repArtworkDetails_ctl00_ucBasicDetailsControl_artistName" style="box-sizing: border-box; color: inherit; display: inline; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin: 0px;">
<a href="http://www.artnet.com/artists/adolf-ulrik-wertmuller/" style="box-sizing: border-box; color: black; text-decoration: none;">Adolf Ulrik Wertmuller</a></h1>
<span id="ctl00_mainContentPlaceHolder_ucArtworkArea_repArtworkDetails_ctl00_ucBasicDetailsControl_artistInfo" style="box-sizing: border-box;">(Swedish, 1751–1811)</span></div>
</dd></div>
Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-64077153315397938492017-08-31T14:06:00.001-03:002017-08-31T14:06:43.113-03:00Faltam culhões<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-_IcKmNKwxRY/Wag8D61koOI/AAAAAAAABUc/JEYzGF9SSWcwCBHHLIkpa8BaJW34KbRQACLcBGAs/s1600/bola%2Btenis.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="266" data-original-width="400" height="265" src="https://3.bp.blogspot.com/-_IcKmNKwxRY/Wag8D61koOI/AAAAAAAABUc/JEYzGF9SSWcwCBHHLIkpa8BaJW34KbRQACLcBGAs/s400/bola%2Btenis.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br /><b>Faltam culhões</b><br /><br />Aurora, a bionda, é uma calabresa baixinha, de pele bronzeada que contrasta com o forte descolorido dos cabelos. Adora usar vestidos curtos, saias rendadas e sapatos de salto bem alto, que a fazem caminhar com uma certa dificuldade pelas ruas de pedra do centro histórico de Spoleto, na Itália central.<div>
<br /></div>
<div>
É minha vizinha de porta e toda as vezes que nos encontramos, deixa claro como sente falta do sul do país. É raivosamente infeliz aqui. Não gosta do povo que acha frio e esnobe, e diz isso empinando o nariz e alisando-o de baixo para cima com o indicador. Também não gosta do pão, do clima e sente falta dos peixes comprados diretamente dos pescadores que aportam nas praias de sua Catanzaro.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Convidou-me para um café. Mostrou-me fotos da família e do marido falecido há seis anos. Era um homem belo. Acende um cigarro para contar que foi um câncer de pulmão que o levou tão cedo. Depois dele, nunca mais teve outro homem: “Sou fiel!”. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Com a morte do pai, os filhos a trouxeram para perto. Alugaram um apartamento em Spoleto onde ela vive na companhia do filho solteiro de 28 anos. Sente-se prisioneira nessa cidade de muros e palácios, mas não volta pra Calábria porque não pode abandonar o caçula. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Fomos juntas à piscina municipal. O dia seguia preguiçoso e quente, quando, no guarda-sol ao lado, instala-se um homem bonitão, ainda jovem, já de cabelos grisalhos.</div>
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<br /></div>
<div>
Aurora me cutuca enquanto faz um gesto sutil na direção do nosso vizinho: “Não gosto dos homens daqui. Não são viris. No Sul, os homens são viris. Capisce viris? Eles gostam das mulheres.” E faz um gesto com os braços que interpretei como sendo “os calabreses tem a maior pegada”. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Aurora continua: “Os homens no Sul são gentis, nos protegem. Quando você chega na estação com a mala, nem precisa pedir e eles vem correndo te ajudar a descer do trem e carregá-la." E fico imaginando quem não ajudaria aquela figura pequenina, desequilibrada nos saltos, carregando uma bruta mala. Aurora continua: “Aqui, nem pensar! Se bobear, te empurram pra você sair da frente. Não, não…não gosto dos homens daqui. No sul eles são mais masculinos, são mais…homens!”.</div>
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<br /></div>
<div>
Aurora me pede para descrever os homens no Brasil. Depois de conduzir a conversa e se certificar que também temos nossa cota de homens gentis e viris, ela faz um pequeno sinal por baixo dos óculos escuros para eu olhar para o nosso vizinho e sussurra: ”Olha os culhões.”</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Eu discretamente passo um scan nos países baixos do rapaz. Antes que eu pudesse dar qualquer opinão, Aurora me cala com sua risada e ares de especialista: “Os homens daqui não tem culhões!”. E faz um gesto no ar como segurasse uma bola de tênis com a palma da mão virada pra cima. “Capisce culhões?”</div>
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<br /></div>
<div>
Capisco, ô se capisco. E capisco que tenho que ir logo conhecer esse tal de Sul. </div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7323403094720391854.post-24861039621980382082017-08-12T08:54:00.000-03:002017-08-31T14:07:05.322-03:00O naná esquecido<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-RsA97gEW9sc/WY7obEmZy9I/AAAAAAAABT8/RGbUJ-uw6bEzpXIIIDKXiD9lpmUq8GBiACLcBGAs/s1600/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-08-12%2Ba%25CC%2580s%2B13.27.59.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="386" data-original-width="463" height="265" src="https://3.bp.blogspot.com/-RsA97gEW9sc/WY7obEmZy9I/AAAAAAAABT8/RGbUJ-uw6bEzpXIIIDKXiD9lpmUq8GBiACLcBGAs/s320/Captura%2Bde%2BTela%2B2017-08-12%2Ba%25CC%2580s%2B13.27.59.png" width="320" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<b>O naná esquecido</b></div>
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<br /></div>
Quando pequeno, o irmão tinha um “naná”. Um cobertor de berço que ele carregava pra todo o canto desde que nasceu.<br />
<div>
<br /></div>
<div>
Tinha um tom encardido e um cheirinho azedo, mistura de sujeira, xixi, suor, suco de fruta, biscoito e outros nojinhos que compunham o aroma que o menino adorava sentir enquanto chupava o dedo e alisava as bordas puídas.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Lavar o naná era proibido. Nas poucas vezes que o fizeram escondido, o resultado era um furioso ataque de indignação diante da traição revelada através do perfume do sabão Minerva.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
O jeito era dar banhos de sol e torcer para que o calor escaldante do interior paulista desse uma amortecida nos germes. </div>
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<br /></div>
<div>
Eram os anos 70 e, um dia, o pai anuncia uma ida pra longínqua cidade de Caraguatatuba. “Vamos ao mar!”</div>
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<br /></div>
<div>
Mil preparativos para enfiar a família de cinco filhos na Caravan. Malas, despesa de supermercado pra vinte dias, boias, pranchas de isopor e 7 horas de estrada.</div>
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<br /></div>
<div>
Chegam exaustos e na hora de dormir, bate o desespero: “Cadê o naná?” </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Reviram malas, carro, sofá e nada. Os pais se entreolham em pânico: “Esquecemos o naná!”</div>
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<br /></div>
<div>
O menino chora com emoção e não tem colo, chazinho, sorvete, historinha e nem cantiga de ninar que o acalme. A choradeira acabou sendo controlada, mas nada do moleque dormir. Crise de abstinência das brabas.</div>
<div>
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Onze da noite, a mãe decide: “Vamos à cidade comprar outro naná!”</div>
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O pai resmunga: “A essa hora não vai ter nenhuma loja aberta”</div>
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A mãe ignora - era dessas: “Todo mundo pro carro. Vamos comprar um naná igualzinho.”</div>
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As filhas mais velhas dão risada. “Quem vai fazer xixi nele?”</div>
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A mãe manda ficarem quietas, enfia todo mundo na Caravan e toca pro centro de Caraguá.</div>
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O comércio estava todo fechado e o pai já ia quase retornando, quando a mãe pede pra parar o carro, desce e vai falar com um homem que caminhava pela na rua. Ele aponta pra outra pessoa, que indica outra e mais outra e essa corrente acaba na frente da casa do dono da loja de artigos de cama, mesa e banho.</div>
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A filha pré-adolescente afunda no banco do carro, envergonhadíssima de ver a mãe tocar a campainha da casa de um desconhecido, quase à meia-noite. </div>
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Atende uma mulher de camisola. A mãe explica a situação e a mulher, solidária, entra pra chamar o marido, que aparece no portão de roupão, segurando um molho de chaves.</div>
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Ele caminha até a loja, abre as portas de aço, acende as luzes e a família invade em busca do novo naná.</div>
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É difícil substituir um grande amor. O menino testa cada opção como um somelier, sentindo textura, aroma, densidade e, o teste final, a alisadinha enquanto chupa o dedo.</div>
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Trinta cobertorzinhos depois, com o dedão já fininho e todo o estoque da loja vindo abaixo, o menino solta: “Pode ser esse!”</div>
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Festa na floresta! Lojista, esposa, guarda noturno, família e vizinhança se abraçam e comemoram: “Achamos um naná!”. </div>
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A família volta pra casa em estado de graça. No caminho, o menino ainda ameaça um muxoxo de recaída. Mas a alegria era tão grande que ele se rende e entra no clima. </div>
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A mãe respira aliviada. A fila andou. Missão familiar cumprida com louvor. Vamos pra próxima.</div>
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Tais Vinhahttp://www.blogger.com/profile/10884369179669305349noreply@blogger.com0